Eu imagino que alguém vê um artigo falando sobre “risco de longevidade” e pensa algo como “deve ser mais um daqueles artigos explicando algum termo obscuro usado em finanças”.
Pois é… Eu receio que essa percepção pode estar bastante enganada. Por isso, quero começar este artigo com uma pergunta: Você pretende se aposentar?
Se você respondeu “sim”, saiba que o risco de longevidade será uma das grandes encrencas de sua vida. Talvez, a MAIOR DE TODAS.
Consegui chamar sua atenção agora? Bom… é melhor ler até o fim.
Vamos começar falando, então, de longevidade e expectativa de vida, pois isso vai dar o contexto da “coisa toda”.
A evolução da expectativa de vida
Veja que belo gráfico este abaixo. Ele vem do site “Our World in Data” (Nosso Mundo em Dados), mantido pela Universidade de Oxford.
Ele mostra, entre outras coisas, a evolução da expectativa de vida mundial. Mas vou te ajudar com alguns pontos-chave, para que você não precise “pescá-los” no gráfico.
Expectativa de vida média mundial:
- 1800 – 28,5 anos
- 1900 – 32,0 anos
- 2000 – 66,3 anos
- 2014 – 71,4 anos
O gráfico deixa bastante claro que a expectativa de vida da Humanidade está aumentando de forma EXPONENCIAL. Isso significa que se você for, neste momento, uma pessoa de 60 anos, razoavelmente saudável, e se essa progressão se mantiver, você, provavelmente, não chegou nem na metade de sua vida!
Animador? Calma… Não vamos tirar conclusões tão rápido.
Existe um limite para a longevidade?
Esse aumento exponencial da expectativa de vida pode ser creditado a muitas coisas, entre elas a evolução nas tecnologias médica, nutricional e sanitária.
Existe um certo ‘consenso não escrito”, entre cientistas e pesquisadores da área de saúde, de que a longevidade humana tem um limite natural, estimado em algo ao redor de 120 anos.
Ou seja, por essa tese, “dali não passa”. Então, esse aumento da expectativa de vida seria muito mais um efeito de “diminuição da dispersão’ (com mais pessoas vivendo saudavelmente – o que puxaria a média para cima) do que por um aumento “de fato” na longevidade.
Só que essa tese começou, recentemente, a ser desafiada de forma mais contundente pela própria Ciência. Hoje, muitos cientistas começam a se questionar se esse limite existe e, se não existir, essa curva poderá crescer ad infinitum (sim, é isso mesmo que você entendeu: estamos falando de, em algum momento, a expectativa de vida ser potencialmente ilimitada).
Como referência, fica este interessante artigo da revista Scientific American (em Inglês): There’s No Limit to Longevity, Says Study Reviving Human Life Span Debate.
Enfim, a verdade é que não sabemos se há, de fato, um limite para a longevidade humana. Mas, se NÃO houver, a questão do risco de longevidade, que já é complicada por si só, fica infinitamente mais complicada…
Enfim, o que é o risco de longevidade
Bem, agora que eu já dei todo esse (importante) contexto, é hora de falar o que é, enfim, esse tal risco de longevidade.
O risco de longevidade é, tentando colocar em poucas palavras, o risco de você viver mais do que os seus recursos permitem. Ou seja, é o risco de você se aposentar, achar que vai viver “X” tempo, só que vive muito mais que isso. Aí fica velho, pobre, falido e na miséria… e ainda com muitos anos de vida pela frente. Que tal?
O risco de longevidade pela ótica das entidades de previdência
O conceito de risco de longevidade vem do mundo das ciências atuariais e da previdência.
O moderno sistema de pensões e aposentadorias foi criado no final do Século XIX (vai lá e olha de novo, no gráfico, qual era a expectativa de vida em 1900…). Inclusive, a prática de as pessoas se aposentarem ao redor dos 60 anos vem DAQUELA época.
Os programas previdenciários (tanto públicos quanto privados), quando foram concebidos, não contavam com esse aumento exponencial da expectativa de vida. E, por causa disso, os atuários perceberam, em algum momento, que o esquema era insustentável e que a conta “não fecha”.
Por isso, fundos de pensão privados e mesmo os programas públicos de previdência têm uma grande preocupação com isso, pois há o risco REAL de que eles tenham que desembolsar, como benefícios para os aposentados, uma quantia de dinheiro muito maior do que eles conseguem captar e capitalizar ao longo dos anos.
Essa é uma das razões, inclusive, pela qual, praticamente, não existem mais programas de previdência privada (tanto abertos quanto fechados) de “benefício definido” (aqueles em que você contribui com uma quantia ao longo da vida e, no final, vai receber seu benefício de forma constante e vitalícia).
Hoje, a regra são os programas de “contribuição definida” (referidos, no jargão, pelas iniciais “CD”), em que o beneficiário forma um patrimônio e, ao se aposentar, terá acesso àquele patrimônio, apenas. É um valor finito e, se acabar, acabou. A pessoa tem que torcer para morrer antes de o dinheiro acabar…
A previdência pública, na maior parte dos países do mundo, segue o modelo de benefício definido (chamado de “BD”, no jargão da área). Mas esse modelo está sendo questionado em vários países, exatamente por causa do risco de longevidade.
Então, do ponto de vista da entidade previdenciária, o “risco” da longevidade é o risco de se comprometer com um fluxo de caixa que pode durar muito mais que o previsto, comprometendo (ou mesmo inviabilizando) o equilíbrio econômico do sistema.
O risco de longevidade pela ótica dos aposentados
Quanto uma entidade previdenciária muda seu programa de “benefício definido” (BD) para “contribuição definida” (CD), ela deixa de sofrer (ou sofre menos) com o risco de longevidade.
Só que o risco de longevidade não “desaparece”. Ele é apenas transferido da entidade para o beneficiário (o aposentado).
Passa a ser, então, responsabilidade do beneficiário acumular, ao longo de sua vida profissional ativa, o patrimônio necessário para viver após a aposentadoria.
A entidade previdenciária vai fazer a gestão desse patrimônio, pode contribuir com uma parte do dinheiro (prática comum nos fundos de pensão – que são entidades fechadas) e tem a questão (relevante) dos benefícios fiscais. Com esse “pacote de vantagens”, fica mais fácil formar um patrimônio. Mas, ainda assim, é um patrimônio finito e existe o risco de a pessoa viver MAIS do que o patrimônio permite.
Então, para estimar qual o patrimônio adequado, o beneficiário tem que tentar “adivinhar o dia da própria morte”. É uma coisa meio mórbida, mas, infelizmente, não há muito o que fazer.
E, pior que isso: Como alguém consegue estimar a data da própria morte em um cenário em que a expectativa de vida aumenta de forma EXPONENCIAL? Se fosse linear, vá lá… Eu poderia dizer “meus pais viveram até os 75, então, devo ir até uns 85…”.
Só que as coisas não são assim num mundo em que praticamente TUDO (não só a expectativa de vida) deixa de ser linear e passa a ser exponencial.
Como gerenciar o risco de longevidade?
Aqui vem a má notícia: Não tem jeito.
Do ponto de vista de um indivíduo, a única forma de “resolver” o risco de longevidade é… morrendo! Ou, então, nunca se aposentando.
Se você perguntar para um atuário ou gestor de fundo previdenciário, ele vai te dizer que o risco de longevidade tem solução. A solução é transferir esse risco para alguém – o próprio beneficiário ou uma outra entidade (uma resseguradora, por exemplo).
Para a entidade previdenciária, isso resolve o problema. Mas veja que ele não foi resolvido – apenas mudou de lugar. A “bucha” foi empurrada para outra pessoa que, eventualmente, pode ser VOCÊ (e, na maioria das vezes, é).
Do ponto de vista do indivíduo, que pode acabar sendo obrigado a assumir o risco da própria longevidade, a única coisa factível é tentar postergar a aposentadoria (e seguir trabalhando pelo máximo de tempo possível), tentar formar um patrimônio maior e torcer para que a evolução da expectativa de vida desacelere.
Ou, então, quando o dinheiro estiver acabando, vai para uma ponte bem alta saltar de bungee jump – sem elástico.
É por essas e outras que, hoje, quem participa de um programa previdenciário de benefício definido (seja público ou privado), precisa tratar aquilo como se fosse um verdadeiro tesouro.
Conclusão
A conclusão é que… não tem conclusão nenhuma! Como vimos no artigo, o risco de longevidade é, ao menos no presente momento, um problema insolúvel.
Talvez, um dia, com o avanço da tecnologia, as pessoas vão viver por tempo indeterminado e o conceito de “aposentadoria” vai deixar de existir. Mas, enquanto esse dia não chega, o risco de longevidade segue sendo um grande problema, tanto para Estados, para entidades de previdência e para indivíduos.
A única coisa que a gente sabe é que, mantidas as condições atuais de aposentadoria e a taxa de evolução da expectativa de vida, as contas não vão fechar.
Comentários
Por isso que vale mesmo é fazer uma carteira previdenciária capaz de cobrir seus custos de vida no futuro mesmo não tendo muito luxo e sim condições dignas.
Sabemos que existe a possibilidade de fazermos uma previdência com bons ativos e que no longo prazo garantam seus gastos porque realmente a população vai viver mais…pow minha avó tá com 93 já kkk
Neste caso, ter boa genética é um problema 😁
Ótimo artigo, também me lembrou a história do Jorge Guinle que torrou a fortuna inteira da família consumindo de maneira exacerbada.
Ele é um caso “livro texto” de alguém que apostou na própria morte e perdeu 😅
Mas a escolha é pessoal, conheço pessoas que sairam de um plano BD que consideravam caro (também ja fiz isso) e aportam religiosamente em investimentos financeiros (ações, FII, imóveis, CRA/CRI, debêntures ..) e na construção de ativos que garantam alguma renda passiva.
A justificativa é não confiarem na gestão daquele plano BD e até temerem pelo uso de recursos da empresa pública patrocinadora (legalmente parece que não existe este risco), também acreditarem que gerenciando seu próprio dinheiro terão além de muito mais renda futura um patrimônio muito maior de ativos SEUS !
Eu concordo com este raciocínio, principalmente usando isenções ou diferimento de impostos, e inclusive acredito que apesar de dar bastante trabalho esta gestão de finanças a pessoa vai ter muito mais recursos no final, porém um plano BD dá mais qualidade de vida ao evitar este trabalho todo.
A melhor solução seria fazer as duas coisas simultaneamente: Manter o plano BD (esperando que o plano, em si, não quebre) e ir formando uma carteira própria, que funcionaria como “hedge” do plano BD. Mas isso exigiria aportes bem maiores, o que inviabiliza para algumas pessoas.
Andre, totalmente valida a reflexão, mas mesmo os fundos de previdência privada não estão totalmente blindados … Eles também estão sujeitos a perdas financeiras expressivas e, alguns, a falcatruas da administração, e exemplos não faltam, concorda?
Exato, veja minha resposta ao comentário do Samuel. Existe o risco do próprio fundo.
Exato. Tudo tem risco (estou planilhando o meu), melhor tentar viver bem com ele. Peço desculpas pelo texto mais longo, mas estou escrevendo muito para elaborar um raciocínio e me convencer ou não de minha decisão e talvez ajudar alguém a refletir também.
Porque saí e não pretendo voltar:
O fundo do qual saí teve ocorrências de péssima gestão décadas atrás, empresa pública de um Estado falido que descobri já tentou usar o recursos do fundo (legalmente parece que não é possível). Abri mão da isenção da “jóia” e teria que pagar caro para retornar, ocorreram déficits atuariais que não precisei contribuir, os ganhos da reserva do fundo tem rendido dentro do adequado para o mercado MAS meus investimentos tem ganho de juros compostos no MEU PATRIMÔNIO e não na renda que poderei receber do fundo (que pode quebrar futuramente..). Não pretendo, embora seja tentador, me aposentar na empresa (a vida é engraçada, última vez fiquei 8 anos adiando a saída). Reduzi meu risco laboral já que em caso de invalidez ficaria só com INSS.
Decisão ruim se:
1) Me aposentar na empresa (ficar após acabar os benefícios mais gordos)
2) Déficits forem sanados e gestão do fundo ficar muito boa,
3) Acidente ou algo que perca capacidade laborativa.
4) MAIOR TRADEOFF: contribuição paritária da empresa junto com boa gestão resultar em enorme diferença no saldo (que poderia resgatar integralmente, mesmo que judicializando).
Soluções que encontrei:
1) Carreira Alternativa, ganhar e poupar mais, controlar custo de vida e gerar ativos diversificados.
2) Posso terceirizar minha gestão e obter melhor desempenho que o fundo previdenciário.
3) Seguros e aumentar foco em renda passiva (talvez voltar ao plano com contribuição mínima e utilizá-lo como seguro)
4) Não tenho o que fazer, TALVEZ voltar ao plano com contribuição mínima (como “hedge” citado pelo André Massaro)
São muitas variáveis, temos o imponderável e o tal risco da longevidade, mas é o preço de buscar uma boa decisão.
Sabemos que o problema é real. Mas não há hipóteses que possam abarcar quais serão as soluções que pessoas e instituições e governos tomarão. Posso pensar em algumas: leis que facilitem a eutanásia ou o suicídio assistido, guerras, renda mínima, confiscos. Em face de superpopulação, escassez de recursos, aquecimento global, pandemias. Realmente estamos em um impasse, onde muitos dos nossos conceitos e valores, e consequentemente nossas instituições vão ficar em xeque em breve, e uma saída será encontrada de uma forma ou de outra, e acredito que somente os velhos ainda produtivos terão vez. Seremos nós, os que estão hoje, próximo aos 60 anos. Talvez 50. Quem sabe.
O que você fala envolve soluções radicais e até meio mórbidas. Mas é um problema que exige soluções radicais.
De tudo isso aí que você falou, a minha aposta seria na renda básica universal. Eu acredito que, com o advento de tecnologias como a inteligência artificial (além dessa questão da longevidade), será inevitável os governos darem uma renda básica para as pessoas, independentemente de trabalharem ou não.
Artigo sensacional. E, como sempre numa linguagem fantástica! Sou da área jurídica. Sempre olhamos pelo lado da lei, mas é muito bom, ver pela perspectiva econômica. Parabéns!!