Antes de começar este artigo, quero dar um aviso: Eu não tenho filhos, então, nunca senti na pele (provavelmente jamais sentirei) o que é dar mesada. A angústia de definir valores e estabelecer regras para a mesada dos filhos é algo que eu só vivenciei como expectador ou, no máximo, há muitas décadas, quando eu estava do lado “recebedor” da mesada.
Mas eu acho importante fazer essa observação pois, atualmente, muitas pessoas gostam de desqualificar opiniões de especialistas (sim, eu sou um especialista em finanças, entre outras coisas) dizendo que eles não têm a “pele em jogo” (“skin in the game”, para ficar bem metido…).
Bem, se você acha que o fato de não ter filhos me desqualifica para opinar, quero dizer também que eu nunca comi cocô e nunca me joguei do 10º andar de algum prédio. Isso, por acaso, me desqualifica para dizer que essas duas coisas não são boas?
E neste site eu falo de assuntos como falência (nunca fali), endividamento (nunca devi um centavo sequer na vida) e investimentos e negócios que eu nunca fiz e jamais farei. Bem, se eu não estiver qualificado para falar sobre coisas que nunca vivenciei “na pele”, acho melhor eu tirar este site do ar…
Mas, enfim, vamos tratar de um dos assuntos mais controversos do mundo das finanças pessoais, que é a mesada para os filhos.
É necessário dar mesada?
A resposta simples e direta é: Não, não é necessário dar mesada. Alguns pais podem optar por dar dinheiro aos filhos de forma pontual e “conforme a demanda”.
Porém, ao agir dessa forma, esses pais podem estar abrindo mão de uma das melhores ferramentas educacionais para ensinar os filhos a viverem de forma organizada. Pois a mesada é, antes de qualquer coisa, exatamente isso: Uma ferramenta educacional.
As vantagens de dar mesada
Na nossa sociedade, a maior parte dos eventos financeiros (tanto recebimentos quanto pagamentos) é organizada numa base mensal. Salários e comissões são, tipicamente, definidos em valores mensais e pagos nessa periodicidade. Despesas e contas diversas também – a maioria é mensal.
A principal vantagem da mesada é, então, o fato de já ir acostumando a criança a viver do jeito que o mundo funciona, que é “mês a mês”.
Mas existem inúmeras outras vantagens da mesada, a seguir:
A mesada reproduz um “salário”
Isso está em linha com o que foi falado anteriormente (que a vida financeira é organizada em uma base, majoritariamente, mensal).
Quando a criança chegar à idade adulta, é grande a possibilidade de que ela vá se dedicar a alguma atividade profissional cuja remuneração será mensal (um emprego, por exemplo). A mesada, neste caso, já vai fazer com que a criança se adapte a esse ciclo de meses.
A mesada incentiva o planejamento
Uma vez que a criança (ou adolescente) compreenda essa questão do “ciclo mensal”, ela poderá começar a fazer planos e terá, até mesmo de forma natural e intuitiva, contato com o conceito de “orçamento”.
O orçamento nada mais é que o planejamento financeiro projetado para o futuro. Planejamos nossas ações futuras baseadas em nossos padrões atuais de recebimentos e gastos de dinheiro.
A mesada incentiva a cultura de poupança
O hábito de poupar é, praticamente, uma consequência natural do hábito de planejar as finanças e fazer orçamentos.
Entendendo a questão dos ciclos mensais e a importância do planejamento, a criança rapidamente entenderá que, se quiser ter mais dinheiro “lá na frente”, precisará guardar um pouco agora.
A mesada ensina que as coisas custam
A mesada ensina, às crianças, outro importantíssimo conceito: Que as coisas não caem do céu.
Na vida, não se obtém algo a troco de nada. Tudo tem um custo e esse custo é representado pelo dinheiro. Assim como ela (a criança) precisa de dinheiro para fazer o que ela quer, as outras pessoas também precisam de dinheiro.
E, assim, o dinheiro circula numa cadeia em que, supostamente, um está gerando valor para o outro.
A partir de quando dar mesada
Os especialistas em educação e desenvolvimento cognitivo (neste caso, não sou eu…) dizem que as crianças começam a ter as primeiras noções sobre finanças por volta de sete anos de idade. Então, qualquer ação de educação financeira deve começar por volta dessa fase.
A mesada deve ir “evoluindo” ao longo do tempo. Nesta fase inicial (por volta dos sete anos), os valores devem ser pequenos, pois as necessidades são igualmente pequenas e as crianças têm uma tendência natural a perder o dinheiro (particularmente quando dado em sua forma física – notas e moedas).
Com o tempo, as necessidades de dinheiro (e o discernimento para lidar com ele) vão aumentando, e o valor da mesada deve ir aumentando de forma correspondente, até que a criança (aí já não mais uma criança, mas sim um “jovem adulto”) atinja algum grau de independência financeira.
A “pergunta do milhão”: Quanto dar de mesada?
Essa é uma situação daquelas em que “cada caso é um caso”.
Não existe valor determinado para dar de mesada, especialmente quando as crianças já estão um pouco mais crescidas (ou na adolescência).
Nas fases iniciais (ao redor dos sete anos, quando as necessidades e desejos da criança se resumem a comprar algum brinquedo ou algum doce no parque), dar algumas dezenas de reais pode “fazer o serviço”. Porém, à medida que a criança cresce, a mesada vai ser determinada pelas possibilidades e pelo padrão de vida da família.
E, aqui, é o momento de lembrarmos que o mundo não é um lugar justo. As pessoas nascem em circunstâncias diferentes e têm padrões de vida diferentes.
Alguns adolescentes, de famílias mais abastadas, têm mesadas que podem ser maiores que o salário de muitos pais de família. É assim, sempre foi e sempre será. E questões de justiça social estão fora do escopo deste artigo.
Então, não há um “valor certo” para dar de mesada. O valor vai da realidade de cada família – de suas possibilidades financeiras, de seu padrão de vida e de que tipo de educação e valores pessoais se quer passar.
Uma dica geral seria que, dentro do que for definido como um padrão adequado para a idade, se dê uma quantia que seja grande o suficiente para que a criança ou adolescente não se sinta “punida” (isso pode levar, em idade adulta, à uma mentalidade de escassez), mas não tão grande a ponto de incentivar comportamentos irresponsáveis ou criar adultos “molengas” e acomodados no futuro.
Agora, se um adolescente vai ganhar uma mesada igual ao salário do gerente de uma multinacional e um Porsche quando fizer dezoito anos de idade, isso é uma decisão da família. Se isso estiver alinhado com as possibilidades financeiras, o padrão de vida e os valores culturais da família, não há nada a dizer e não há nenhum julgamento a ser feito.
Cada um cuida do próprio rabo…
O uso da mesada (e do dinheiro) como recompensa
Para finalizar, este talvez seja o tema mais controverso entre os especialistas em educação e desenvolvimento infantil: Se a mesada deve estar condicionada a alguma coisa ou não.
Aqui, aparentemente, não há consenso. Mas uma boa parte dos especialistas diz que NÃO se deve associar mesada com desempenho escolar.
Sem ter muito “conhecimento de causa”, eu tendo a concordar com essa visão. O estudo não é um “trabalho” e nem um “sacrifício” – é algo que a criança faz para aumentar suas chances de sucesso em idade adulta.
E, por mais que seja difícil fazer uma criança entender que estudar “é bom para ela”, é preciso não incentivar a ideia de que estudo é uma coisa ruim e que deve ser recompensada. Pelo contrário, a gente não RECEBE para estudar – a gente PAGA.
Se a criança associar o estudo com uma coisa ruim (e que deva ser recompensada), isso pode ter consequências sérias no futuro, gerando adultos apáticos e medíocres, sem interesses intelectuais e no próprio desenvolvimento.
Outra prática comum (e igualmente controversa) é usar o dinheiro como recompensa por tarefas domésticas e por ajudar em coisas rotineiras do lar.
Cuidar da manutenção do lar e das tarefas domésticas é o mínimo que podemos fazer para viver de uma forma decente. No futuro, a criança terá que fazer essas coisas por si só ou, pior, vai ter que pagar para alguém fazer. Então, talvez seja interessante ela já ir se acostumando com a ideia de que a gente não RECEBE pelo privilégio de viver num lugar limpo e organizado… A gente PAGA.
Mas, enfim, a decisão (e os riscos) de usar o dinheiro (de forma geral) e a mesada como recompensa é de cada família. Apenas fica a recomendação de que, se forem fazer isso, que façam de forma criteriosa e sensata, para não criarem “pequenos mercenários” que crescerão acreditando que tudo na vida deve ser recompensado em dinheiro.
Conclusão
Como vimos neste artigo, não há fórmula pronta para definir as regras da mesada. A única coisa importante é que existam regras (senão, “vira zona”). Mas essas regras devem ser definidas pela própria família, e não serem impostas “de fora para dentro”.
A única coisa que a família precisa ter em mente é que a mesada (ou qualquer outra forma usada para dar dinheiro aos filhos) terá uma importância muito grande naquilo que a criança vai virar, quando chegar em idade adulta.
Por isso, a família precisa ter regras muito criteriosas, pois TUDO aquilo que for definido agora terá consequências no futuro.
Comentários
Particularmente, dou mesada a meu filho de 8 anos, que usa uma caixa de sapatos com 4 divisões p colocar o dinheiro: poupar, investir, gastar e doar. Para que ele entenda a diferença básica entre poupar e investir, vez ou outra coloco os “rendimentos” (algumas moedas) no compartimento Investir. Acho que tem passado o ensinamento…
Aqui em casa começamos o processo de ensinar o “valor do dinheiro” quando Heitor tinha 5 anos e meio. Ele usava o meu tablet e um dia disse que queria um Ipad igual do primo. Obviamente eu disse que não compraria um Ipad pq não havia necessidade, que o valor era muito alto e sem justificativa para uma criança e nem eu nem o papai tínhamos um Ipad. Depois de certa insistência Fizemos um combinado. A partir daquele dia ele passaria a ganhar mesada e eu não compraria mais brinquedos. Com o dinheiro dele ele escolheria comprar os próprios brinquedos ou guardaria para comprar o Ipad. Ele topou. Foi a melhor coisa que eu fiz. Foi um ano e meio de um excelente aprendizado pra ele. Ele adorava passear em lojas de brinquedos (pq sempre saía com algum presente em mãos). Eu continuei levando. Quando ele via algo que gostava e olhava o preço ele mesmo falava: Meu Deus que caro! Eu sempre reiterava que ele podia comprar mas o Ipad ficaria mais distante. No final ele sempre decidia não gastar o dinheiro. Aí comecei a ensinar a ele o que era investir. Fizemos uma conta que levariam 2 anos para comprar o Ipad. Aí expliquei que sempre que ele guardava o dinheiro no banco esse valor iria aumentando e eu virei o banco dele, colocando os rendimentos. No aniversário de 7 anos ele conseguiu comprar o tão sonhado Ipad e foi uma alegria. Durante esse tempo ele aprendeu a poupar de verdade, tudo ele queria saber o preço e às vezes até comentava q em tal lugar estava mais caro ou mais barato. Foi fiel à meta dele e não parou até conseguir o que queria. Então passei à fase 2 da aprendizagem. Mostrei que ele podia ser “dono”, Comecei a mostrar na internet As empresas que faziam sentido pra ele. Ele é atleta de futsal, então mostrei empresa que fabrica chuteira, marcas de uniformes de futebol. Depois expliquei q era bom ter empresas de coisas que as pessoas precisam pagar para viver, como energia elétrica. Expliquei que comprando ações era como se ele tivesse comprando tijolinhos dessa empresa, quanto mais tijolos mais dono ele seria. Ele ficou animado e prestes a fazer 8 anos eu abri a carteira previdenciária dele. Desde então ele sempre usa o dinheiro que ganha pra comprar “tijolinhos”. Acha o máximo quando viaja de carro e vê as transmissoras de energia pq diz que é dono de uma parte dos fios. Quando saem os dividendos faz uma festa, já compra mais ações também.
Em relação à mesada ser um pagamento por conduta, concordo com vc. No início houve um trato que se ele era grande pra receber mesada tb era pra ter obrigações na família, então passou a ter algumas atividades compatíveis com a idade como retirar o prato da mesa, guardar roupas e brinquedos… Mas a mesada nunca foi condicionada a isso, nem à desempenho escolar. Não existe desconto no “salário” dele 😂
Nossa!, sensacional sua história, não tenho filhos, mas invisto á anos, em vários tipos de investimentos, inclusive no exterior.
Quando eu tiver uma benção dessa (Filhos), adoraria se eles seguissem esse caminho também.
Tenho um de 2 anos e meio, e sempre fico matutando como será esse percurso. Muito legal! Adorei!
Eu tenho 02 filhos, no começo quando pequenos (a partir dos 07 anos) quando ja sabem somar e diminuir) eu aptei por “semanada” eles eram muitos pequenos para entender mes (30 dias). A noção deles era (final de semana recebo meu dinheiro para comprar coisinhas), eles tinham essa noção porque se segunda a sexta-feira (mamae e papai trabalhavam) e no final de semana eles não iam para a escola e os pais ficavam em casa. Nossa regra era pontual, todo final de semana (sem atraso, sem pular ou acumular)
Outra coisa que sempre incentivei foi cofrinho, cada um dos meus filhos isso desde pequenininhos (02 anos) a aguardar moedas. Eu e meu esposo trabalhavamos fora e volte e meia tinha moedas em nossas carteiras. Fazíamos a entrega das moedas um evento. Eles gostavam do barulho das moedas caindo no cofrinho.
Depois quando ficavam gordinhos, sentava-los e fazia a separação e contagens das moedas. E cada um deles levaram o dinheiro para trocar no correio e depois depositar na conta poupança dos bancos.
Minha função era acompanha-los e verificar se estava tudo “OK”.
Eles se sentiam importantes, isso aconteceu por vários anos até eles completarem 09 anos.
Minha ideia foi ensinar, a poupar o excedente (valor fora da mesada/semanada), acompanhar a rentabilidade do dinheiro guardado e saber que quem poupa tem para eventuais surpresas. (reserva de emergência)
Ótimo André! Parabéns pelo texto!
Aqui em casa fazemos o “Desafio das 52 Semanas” com meu primeiro filho de 5 anos. Isso porque o horizonte temporal de uma criança dessa idade é mais curto, e facilita o entendimento.
Quando chega o dia de fazer o “aporte semanal”, aproveito para falar sobre assuntos relacionados com dinheiro. Desde exemplos como eram feitas as negociações antigamente por meio de escambo, até como negociamos hoje em dia, via tecnologia. Já expliquei o que é um banco. Como o dinheiro vem parar em casa (como se fosse “o fluxo do dinheiro”). Quando vamos ao supermercado faço questão de ir com ele, aproveito e falo sobre caro, barato, coisas necessárias e fúteis ou ruins pra saúde, promoção x preço, entre outros.
A cada semana o valor do aporte dobra. Por exemplo, começamos com 2 reais. Na semana 2, serão 4 reais e assim por diante.
Utilizamos basicamente 4 materiais.
1 quadro branco onde desenho a explicação sobre o assunto da semana;
1 folha A3 com uma tabela com os valores a cada a aportar semanalmente, onde meu filho e eu vamos marcando o aporte realizado e podemos ver quanto já temos juntado, e ainda vemos se tem algum aporte “atrasado” (tem semanas que pulamos). Nessa folha A3 coloquei também um gráfico que mostra a evolução dos aportes até o final das 52 semanas. Assim ele tem uma outra forma de visualizar. Nesta folha também tem uma linha para ele colocar seu nome e outra para ele colocar até 3 objetivos que ele quer fazer com esse dinheiro que está juntando;
1 conta bancária digital. Neste caso uso o NuBank e faço os aportes junto com ele. Ali tem a opção “Guardar” com a imagem de um cofrinho, ficando mais ilustrativo.
1 porquinho, para guardar moedas e notas, para ele ter contato com dinheiro de verdade e eu explicar o valor de cada um. No porquinho seria um “extra” que os tios também podem contribuir.
Ao final das 52 semanas faremos um balanço e teremos um momento para explicar outros assuntos de acordo com o que tivermos “evoluído” ao longo de cada semana.
Quando vou explicar procuro ser o mais didático e lúdico possível.
Ano que vem, continuaremos o mesmo desafio, porém com um valor um pouco maior a cada semana e começarei a explicar sobre juros simples e mais pra frente compostos.
Adorei o artigo! Tenho 2 filhas muito pequenas e por isso não damos mesada ainda. Achei muito interessante os pontos que você coloca sobre as regras na hora de definir a mesada. Com certeza irei considerar esses pontos na hora de definir as regras aqui na minha casa!