17/08/2020 • , • por Andre Massaro

Casais e as brigas por dinheiro


O efeito de brigas e conflitos de casais por causa de dinheiro é subestimado e “subnotificado”. Isso porque os conflitos financeiros costumam estar na origem de outras brigas maiores, que acabam sendo a “ponta visível” de uma ruptura (divórcio ou separação). Mas o que leva um casal a brigar por dinheiro?

Neste artigo, vamos ver algumas causas comuns de conflitos financeiros em casais.

E eu gostaria muito de escrever “causas e soluções”. Porém, quando se trata de casais brigando por dinheiro, o repertório de possíveis soluções é, infelizmente, muito limitado.

Mas falaremos mais sobre isso adiante.

O efeito secundário das brigas por dinheiro

Um dos problemas das brigas por dinheiro é que raramente elas são apontadas, de forma explícita, como a causa da ruptura de um relacionamento.

O que ocorre é que as brigas por dinheiro (e as diferentes visões na gestão financeira da família) acabam precipitando outras coisas, como o desrespeito, o desprezo, o abuso, a infidelidade (não só financeira) e, em casos extremos, até mesmo violência doméstica.

Porém, apesar da ausência (ou, pelo menos, baixa disponibilidade) de dados oficiais sobre o assunto, eu sei, baseado em evidências empíricas (e muitas conversas com advogados e psicólogos especializados em questões familiares) que, em boa parte dos conflitos familiares, existe algum “problema com dinheiro” em sua origem.

Sendo que esse problema com dinheiro pode ser mais ou menos visível. Às vezes, o conflito adquiriu proporções tão grandes que a questão financeira (que pode estar em sua origem) sequer é lembrada.

Mas vamos, enfim, ver algumas causas comuns de brigas por dinheiro em casais.

1- Diferenças e desequilíbrios de ganhos

As brigas por conta de diferenças salariais e de ganhos são uma consequência do modelo de estrutura familiar que a sociedade cultivou durante milênios, que deu ao homem o papel de “provedor” e que gerou uma série de cobranças, expectativas e angústias no homem.

Na esmagadora maioria dos casos em que casais brigam por diferenças de ganhos, o problema ocorre quando a mulher ganha mais que o homem. Por conta disso, o homem se sente inseguro, diminuído e, algumas vezes, acaba sendo abertamente atacado, julgado e humilhado por causa disso (pela própria mulher, por parentes ou outras pessoas do círculo social).

Conflitos pelo motivo inverso (homem ganhando mais que a mulher) são raros, mas existem, especialmente quando o casal é formado por pessoas altamente competitivas (eu já vi isso acontecer).

Bem… o mundo mudou. As mulheres, como “coletividade”, ainda são o lado fraco do mercado de trabalho, ganhando menos, trabalhando em piores condições e sofrendo abusos.

Mas cada vez mais, vemos casos de mulheres profissionalmente bem sucedidas e em posições de liderança e, considerando a velocidade das mudanças, devemos chegar a uma situação de equilíbrio rapidamente. Além disso, a figura do “homem provedor” foi atropelada pela própria realidade econômica. Hoje, são raros os casos de famílias onde um dos cônjuges pode se dar ao luxo de não ter uma atividade profissional regular.

Porém, esse modelo está tão “entranhado” em nossa sociedade que é difícil se livrar dele – é algo que faz parte de nosso psiquismo coletivo e que, provavelmente, não vai sair de lá “por bem”.

Inclusive muitos homens que são, na aparência, super “modernos e descolados”, que fazem um discurso progressista “para a torcida”, acabam revelando insegurança quando vivenciam, eles mesmos, essa situação.

2- Despesas, consumo e estilo de vida

Cônjuges com grandes disparidades de hábitos de consumo podem ser um grande deflagrador de brigas.

Numa situação ideal, os dois cônjuges deveriam ter hábitos de consumo e aspirações de estilo de vida semelhantes. Porém, essas coisas raramente são combinadas (como deveriam ser) antes do casamento e, mesmo quando são (combinadas), podem mudar no meio do caminho.

Esse tipo de conflito é muito mais comum em casais que não têm uma política clara de gestão do dinheiro e os cônjuges não têm algum grau de autonomia financeira. É quando ocorrem confusões entre “o que é meu, o que é seu e o que é nosso”.

As diferenças em hábitos de consumo e estilo de vida podem, além de causar brigas por dinheiro, levar à insidiosa “infidelidade financeira”, que veremos adiante.

3- Controle da gestão financeira

“Em um mundo ideal”…

Em um mundo ideal, um casamento deveria ser gerido como uma empresa que tem dois sócios. Um dos sócios pode até assumir, sozinho, a gestão financeira, mas PRECISA prestar contas ao outro sócio e agir dentro de um “mandato”.

A gestão financeira precisa ser feita de forma correta, transparente, dentro das regras combinadas (o “mandato”) e, mais importante, sem frescuras, choradeira, melindres e “mimimi” se houver algum questionamento.

Questionamentos sobre a gestão financeira devem ser respondidos de forma técnica, não de forma passional, com chiliques e descontrole emocional.

Os problemas acontecem quando um dos cônjuges tem uma personalidade “super controladora” (ou é uma pessoa deliberadamente mal intencionada, que quer agir às escondidas e sem restrições) e começa a gerir as finanças de forma autocrática, tomando decisões unilaterais, sem pedir permissão e sem prestar qualquer tipo de esclarecimento.

Esse tipo de comportamento acaba caracterizando, na melhor das hipóteses, imaturidade e, na pior das hipóteses, abuso de poder.
Uma gestão financeira familiar feita sem transparência, sem respeito e sem “regras de governança” é um caminho certo para o conflito.

4- Planos e visão de longo prazo

Imagine um casal em que um dos cônjuges é uma pessoa com grandes ambições profissionais e materiais, que quer fazer uma carreira de sucesso, viver em diferentes lugares do mundo e construir um patrimônio que garanta grande conforto no futuro.

Já o outro cônjuge é alguém que quer “fincar raízes”, ter filhos rapidamente e colocar todo o foco na família. Se possível, até mesmo, abandonando a carreira profissional para se dedicar inteiramente à família.

Como é que se concilia isso?

Essa é mais uma daquelas coisas que os casais deveriam discutir ANTES do casamento (mas não fazem, por estarem embriagados pela paixão ou por medo de julgamentos e reações negativas do parceiro).

Esse tipo de divergência pode levar a grandes frustrações, especialmente quando as visões e ambições são tão distantes, entre si, que não dá para se chegar em um meio termo.

Quando a situação fica assim, um dos cônjuges tem que abrir mão de seu projeto de vida em prol do outro. Ou os dois abrem mão daquilo que querem… e teremos duas pessoas frustradas.

5- Apoio a filhos e família

Às vezes, membros da família de um dos cônjuges precisam de apoio financeiro, e esse apoio pode ser algo permanente.

Quando tudo está indo “de vento em popa”, o casal pode não ser afetado por isso. Mas, quando a situação financeira fica mais desafiadora, o apoio a essas pessoas (que sai do orçamento da família) se torna um ponto de tensão.

Leia aqui: Cuidados ao fazer empréstimos para amigos e parentes

E a situação fica particularmente mais complexa quando um dos cônjuges traz filhos de algum relacionamento anterior. Nesses casos, a mistura entre questões pessoais e questões financeiras pode virar uma coisa explosiva.

6- Infidelidade financeira

Por fim, o último problema causador de brigas por dinheiro já é um “velho conhecido” de quem frequenta este site: a infidelidade financeira.

A infidelidade financeira (que é quando um cônjuge esconde informações financeiras do outro) é uma causa de brigas e, ao mesmo tempo, consequência de outras causas já comentadas neste artigo.

Às vezes, na tentativa de não gerar brigas (pelos motivos já comentados), os cônjuges começam a ocultar informações uns dos outros.

Em princípio, esconder as coisas pode parecer uma boa ideia. Só que, como dizem por aí, “a mentira tem pernas curtas” e a infidelidade financeira tende a ser descoberta. Aí, temos dois problemas… a questão financeira que motivou a infidelidade e a quebra de confiança causada por ela.

Como resolver?

Como foi comentado no início do artigo, os caminhos para resolução dessas brigas por dinheiro são poucos e, na quase totalidade dos casos, vão envolver algum tipo de concessão ou contrariedade.

São basicamente três possibilidades: Diálogo, tolerância e ruptura.

O diálogo é o caminho mais efetivo. É quando os cônjuges conversam “civilizadamente” e procuram chegar a uma situação que, se não agradar a todos, pelo menos permita à vida ficar minimamente administrável.

A tolerância é uma das realidades fundamentais da vida em casal. É muito difícil um casal ter sucesso se os cônjuges não fizerem algumas concessões e, no caso das questões financeiras, às vezes é necessário ter um pouco de flexibilidade. E essa flexibilidade (obviamente que dentro de limites razoáveis) é importante para o sucesso desse projeto chamado “família”.

Por fim, se tudo o mais falhar, o único caminho viável é o da ruptura. Afinal, já saímos da época do “até que a morte os separe” e hoje estamos na época do “nós somos um casal e não irmãos siameses”.
Não é um caminho desejável, mas, se o diálogo e a tolerância não funcionam, é o que resta…

Conclusão

Como a formação de uma família é um projeto de longo prazo (e com consequência para outras pessoas – especialmente filhos), é importante e desejável tentar “mapear” as causas das brigas por dinheiro.

Sabendo exatamente o que desencadeia as brigas, é possível definir “sobre o quê” o casal deve dialogar e, se for o caso, exercer a tolerância. Tudo isso para que não se precise chegar na situação de ruptura, se não houver uma real necessidade.

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