Quando fazemos análise fundamentalista de empresas, usamos alguns indicadores para medir o grau de alavancagem de uma empresa (como a relação entre dívida bruta e patrimônio líquido). No caso de países, o indicador econômico que tenta dar uma visão similar (sobre o grau de alavancagem do Governo) é a relação PIB/Dívida pública.
Assim como no caso do indicador empresarial, o PIB/Dívida pública retorna um resultado em termos percentuais. Mas as similaridades entre esses dois indicadores acabam por aí. Inclusive porque, no caso da relação entre PIB e dívida pública, o resultado pode ser (e isso não é tão incomum) superior a 100%.
A definição de PIB e dívida pública
Para a construção do indicador, algumas coisas devem ser observadas:
A primeira é que, naturalmente, as duas informações devem estar na mesma moeda.
O PIB é considerado como o PIB anual, enquanto a dívida pública é a dívida total, tanto interna quanto externa, incluindo todos os vencimentos.
A dívida pública é, tipicamente, a dívida do governo central. No caso do Brasil, é a Dívida Pública Federal, que é administrada pelo Tesouro Nacional.
Porém, em alguns casos, é possível construir o indicador usando a dívida de outras esferas governamentais. Aqui no Brasil, por exemplo, temos o que se chama de DBGG (Dívida Bruta do Governo Geral), que é a dívida consolidada da união, estados e municípios, sem considerar empresas estatais e o Banco Central.
Como interpretar a relação entre PIB e dívida pública
O número retornado pelo indicador é um percentual. Esse percentual é o quanto do PIB anual teria que ser “usado” para saldar todas as dívidas do Governo em um ano. Como regra geral, quanto menor for esse percentual, mais “folgada” é a situação do Governo.
Não existe um número “ideal” e a interpretação depende de cada país. Por isso, esse número não pode ser visto isoladamente.
Por exemplo, um número que é considerado, de forma geral, “bom”, é 60%. Inclusive, esse percentual de 60% foi definido, pela União Europeia, como nível desejado de endividamento para seus países membros, através do Pacto de Estabilidade e Crescimento e dos Critérios de Convergência da Zona do Euro (também conhecidos como “Critérios de Maastricht”).
60% é uma boa referência, mas, na prática, é um parâmetro que não vem sendo seguido com muito rigor, como pode ser visto neste link do site Trading Economics (que compila dados do Banco Mundial e outros organismos).
Muitas economias desenvolvidas (inclusive dentro da União Europeia) estão com uma relação entre PIB e dívida pública acima de 60%, com algumas passando dos 100%.
Por outro lado, vários países “bagunçados” apresentam números abaixo de 60%. Ou seja, este dado, isoladamente, não nos diz muita coisa.
A França, por exemplo, tem quase 100% de seu PIB anual “consumido” pela dívida pública. Você diria que a França é um país “falido”? Já o Benin tem pouco mais de 20% de dívida em relação ao PIB…
Um país pode “quebrar”?
A Teoria Monetária Moderna deixa bastante claro que, se um país tem controle sobre a emissão de sua própria moeda e se essa moeda não tem nenhum tipo de lastro, é virtualmente impossível um país “quebrar”.
Isso porque, se não estiver vinculada a algum ativo real, a moeda é, em última instância, “papel pintado”. E quem for dono da impressora de imprimir dinheiro pode, ao menos em teoria, imprimir o quanto quiser…
Este é o caso do Brasil, dos EUA e da maioria dos países do mundo, que têm moedas próprias e sem lastro. Para esses países, uma alta relação entre PIB é dívida é uma coisa preocupante, mas não um “risco mortal”.
Já outros países (como os membros da União Europeia que aderiram ao Euro) não emitem a própria moeda. O Euro é emitido pelo Banco Central Europeu e não está sob controle de algum país em particular. Por isso, no caso de países como os membros da Zona do Euro, o risco de “quebra” é real.
Para esses, a relação entre PIB e dívida pública não é apenas “um detalhe”.
Até onde vai a liberdade de cada país
Ter a capacidade de “imprimir moeda” não significa dizer que isso seja algo fácil. Alguns países impõem limites legais ao seu endividamento. É o que se chama de “teto de endividamento”.
Esses limites são, geralmente, definidos pelo poder legislativo, como uma forma de disciplinar o poder executivo, que pode ficar (e frequentemente fica) “tentado” a gastar exageradamente para cumprir seus planos e objetivos.
Se um governo se endivida de forma exagerada e insustentável, duas coisas podem acontecer:
Uma delas é o país “ir à falência”. Isso acontece quando o país não tem a capacidade de emitir moeda (“cenário União Europeia”) e fica insolvente.
A outra é o país ser forçado a emitir moeda. O país não fica insolvente, mas a criação de mais dinheiro leva à inflação, e a inflação penaliza a sociedade. Emitir moeda e gerar inflação é uma forma de “jogar a conta do endividamento público no colo do povo”.
O uso da relação entre PIB e dívida pública nos investimentos
A relação entre PIB e dívida pública pode ser usada como informação por investidores que utilizam a análise fundamentalista de investimentos.
Alguns adeptos da análise fundamentalista gostam de usar as informações econômicas em seus modelos, especialmente quando usam abordagens top-down ou bottom-up. O indicador PIB/Dívida pública pode ser utilizado em conjunto com outros indicadores econômicos, especialmente os de atividade (como o próprio PIB) e os do setor fiscal (arrecadação do Governo), para dar uma visão mais ampla da situação do país.
É apenas importante ressaltar que o PIB/dívida pública não deve ser usado isoladamente, pois muitos países economicamente fortes têm um endividamento baixo e muitos países “zoados” têm endividamento baixo.
Se for tomar decisões de investimento, use a relação entre PIB e dívida pública apenas como um elemento confirmatório para outros indicadores.