30/06/2020 • • por Andre Massaro

Abuso e violência financeira contra o idoso


Eu não sou uma pessoa religiosa, mas, se existe “céu” e “inferno”, eu tenho certeza que, lá nas profundezas abissais, deve haver uma “sala vip”, devidamente equipada com os melhores instrumentos de tortura (e sem ar condicionado), para aqueles que praticam abuso e violência financeira contra o idoso.

Os idosos formar uma parcela da população bastante vulnerável ao abuso financeiro (aqui no Brasil é mais comum se falar em “violência financeira” – eu acho um termo um pouco exagerado, mas isso é irrelevante) e, neste artigo, eu quero explorar as causas, as motivações, as vítimas, os perpetradores e os tipos mais comuns de abuso (ou violência financeira).

Tudo o que está escrito neste artigo tem, como origem, a minha experiência profissional e pessoal (como educador e fazendo atendimentos individuais e familiares) e em leituras de matérias sobre o assunto, inclusive de fora do Brasil (para você ter ciência de que esse não é um problema do Brasil, mas da humanidade…).

Inclusive, o Brasil é bastante pobre em pesquisas e dados sobre abuso e violência financeira contra o idoso. Mas existem pesquisas e estatísticas feitas em outros países e os resultados são bastante consistentes.

Inclusive, uma coisa que parece ser igualmente consistente, no mundo todo, é a subnotificação de casos de abuso e violência financeira contra o idoso. Estima-se que, para cada caso notificado às autoridades, pelo menos vinte outros casos “passam em branco”.

Estima-se que, para cada caso notificado às autoridades, pelo menos vinte outros casos “passam em branco”

Se preferir, assista a este vídeo com conteúdo similar (mas ligeiramente diferente) a este artigo:

Por que a violência financeira contra o idoso acontece

Existem casos (raros, mas existem) em que a violência (não contra o idoso, mas de uma forma geral) é justificável (e, usualmente, como ÚLTIMO RECURSO). É aquela situação onde você golpeia um bandido em legítima defesa – é matar ou morrer.

Salvo nessas raras situações, a violência é a ferramenta de pessoas covardes. E covardes são orientados pela “lei do mínimo esforço”. Ou seja, eles têm uma preferência por pegar a “presa fácil” e, lamentavelmente, os idosos estão numa situação de vulnerabilidade que faz com que estejam, permanentemente, com um “alvo nas costas”.

Alguns pontos de fragilidade dos idosos

A lista de pontos fracos que os abusadores podem explorar é, potencialmente, infinita.

Solidão

Pessoas solitárias (especialmente quando é uma solidão involuntária) tendem a ser mais carentes afetivamente e, consequentemente, mais vulneráveis a ataques e abusos de um “predador financeiro”.

Isolamento

Muitos idosos vivem com suas famílias. Mas alguns estão distantes de seus familiares (inclusive em instituições para idosos) e de gente que pode observar (e denunciar) anormalidades.

Dificuldade de adaptação

Alguns idosos têm dificuldade (compreensivelmente) em se adaptar às “modernidades” do mundo, como transações via internet, dispositivos tecnológicos com telas pequenas, jargões complexos e mesmo com mudanças socioculturais.

Com isso, se tornam pessoas meio “perdidas”, e vítimas fáceis daqueles que gostam de se apresentar como “bons samaritanos” (porém, com intenções maliciosas).

Limitações de movimentação

Quando idosos se tornam fisicamente dependentes de terceiros (para se movimentar e fazer coisas básicas do dia a dia), eles se colocam em uma situação de vulnerabilidade.

Limitações cognitivas

Nem todos os idosos sofrem alguma deterioração de suas funções cognitivas com o tempo. Mas, aqueles que sofrem, assim como no caso das limitações físicas, acabam se colocando numa posição de dependência em relação a outras pessoas, que pode levar ao abuso e à violência.

Os tipos mais comuns de abusos financeiros contra o idoso

Roubo e furto

Roubo e furto de dinheiro e de objetos, especialmente no local de residência do idoso.
Esse tipo de abuso é, naturalmente, facilitado pelo luxo de pessoas no local de residência, como parentes, cuidadores e prestadores de serviços em geral.

Fraude

Aqui, entram coisas como falsificação de documentos e assinaturas. Também se enquadra como fraude o uso indevido de benefícios previdenciários e de seguridade.

Coação e chantagem

Usar ameaça de abandono ou agressão, ou mesmo a clássica “chantagem emocional”, para obter algum tipo de benefício.

Abusos envolvendo transferência de ativos

Explorar limitações cognitivas, ou usar de coação, para fazer transferências de ativos, obter procurações ou testamentos.

“Golpes de confiança”

Aqui, entram todos aqueles pequenos golpes e trapaças que são baseados numa relação (ou aparência) de confiança, como pedidos de ajuda, boletos de instituições inexistentes ou fraudulentas, tentativa de venda de produtos e serviços irrelevantes ou sem valor algum e outras coisas do gênero.

Roubo de identidade

Quando um abusador explora o idoso para usar sua identidade com o objetivo de obter vantagem. Aqui, vai desde casos mais “leves” (como o sujeito que leva a avó junto em algum lugar, só para entrar na fila preferencial) até casos de fraudes, como obter empréstimos em nome do idoso ou tomar benefícios securitários e previdenciários sem o idoso ter conhecimento.

Quem são os potenciais abusadores

Qualquer pessoa que tenha acesso ao idoso, e que tenha a oportunidade de conquistar sua confiança, pode se tornar um abusador.

E, aqui, quero ressaltar o PODE SE TORNAR. Estou falando de uma situação em que existe o potencial de surgir o abuso, e não que exista o abuso em si.

Entre os abusadores mais comuns estão:

Família

De longe, a maior parte da violência e dos abusos contra idosos (em um nível mundial) são cometidas por gente da família, com destaque para os FILHOS.

Isso é um dado interessante, pois muitos estudos sobre abuso e violência financeira contra o idoso indicam uma grande desproporção entre abusos cometidos por filhos e netos. Os filhos são os maiores perpetradores de abusos.

Cuidadores em geral

Aqui, entram todos os profissionais (geralmente associados à área de saúde) que têm relação prolongada com o idoso e que, por conta disso, podem desenvolver uma relação de confiança bastante intensa.

Vizinhos, amigos e conhecidos

Novamente, o que determina o potencial abuso, nessas situações, é o vínculo e a relação de confiança que se forma.

Sempre que uma relação de confiança é formada, ela pode ser explorada por alguém mal intencionado.

Outros profissionais de confiança

Aqui podem entrar advogados, contadores, profissionais de investimentos, prepostos de instituições financeiras (que adoram vender empréstimos, seguros irrelevantes e outros serviços financeiros para idosos), líderes espirituais e religiosos e mesmo profissionais de saúde, como médicos e terapeutas.

Sinais suspeitos de abuso e violência financeira contra o idoso

Aqui vai uma lista (não compreensiva) de alguns sinais que podem indicar que um idoso está sendo vítima de abuso ou violência financeira.

Sempre lembrando que, tipicamente, numa lista de “sinais”, raramente um sinal isolado é o suficiente para se tirar conclusão sobre algo.

Porém, se você observar dois ou mais sinais em um idoso, a suspeita começa a ficar mais consistente.

  • Sinal suspeito #1: O idoso está sofrendo cortes de serviços básicos, como luz e água;
  • Sinal suspeito #2: O idoso está sofrendo punições e penalidades por atrasos em pagamentos, como protestos, cobranças e processos judiciais;
  • Sinal suspeito #3: O idoso está se alimentando de forma deficiente e sendo negligente com a própria saúde, por conta de restrições financeiras;
  • Sinal suspeito #4: O idoso não compreende a própria situação financeira, ou justifica sua situação com explicações vagas e “sem pé nem cabeça”;
  • Sinal suspeito #5: Mudanças súbitas em testamentos e beneficiários de seguros e benefícios.

Punições e penalidades contra abusadores de idosos

No Brasil, as Leis protegem a todos os cidadãos. Então, boa parte desses abusos (especialmente aqueles que configuram fraude) já são previstos pela legislação comum.

Porém, os idosos têm uma camada adicional de proteção, provida pelo Estatuto do Idoso.

O Estatuto do Idoso prevê diversas penas e punições para abusos contra idosos (não só abusos de natureza financeira). Mas, no que se refere às questões financeiras, o Estatuto do Idoso define duas situações passíveis de prisão e multa: A apropriação ou desvio de bens e a retenção do cartão que dá direito aos benefícios securitários.

A Lei existe. Ela pode ser incompleta e deficiente, mas existe. Porém, mesmo com uma legislação que garanta uma boa proteção, poucos idosos buscam apoio legal para garantir seus direitos.

Quando se trata do abuso e da violência financeira contra o idoso. O componente emocional e afetivo não pode ser subestimado.

Estima-se (número médio de diversas pesquisas e estudos, em vários países) que algo em torno de 90% dos abusadores de idosos são familiares ou pessoas próximas “de confiança”. Por conta disso, um idoso, vítima de abuso, pode ficar inibido em tomar medidas mais duras, seja por pena (e aí entram em ação os mecanismos de racionalização e relativização dos abusos) ou medo de sofrer retaliações, na forma de abandono ou, mesmo, agressões físicas e psicológicas.

Isso é uma explicação plausível para a enorme subnotificação de casos, que é estimada em vários países do mundo.

Conclusão – Cuidado com o “viés do ponto cego”

Um dos vieses cognitivos mais insidiosos que temos é o chamado “viés do ponto cego”. Nós somos muito eficientes em apontar falhas nas outras pessoas, mas temos dificuldade em enxergar essas falhas em nós mesmos.

Ao longo da minha vida, já vi inúmeras pessoas ficarem absolutamente indignadas ao presenciarem casos de abusos contra idosos. Porém, essas mesmas pessoas eram, elas próprias, abusadoras (ainda que cometendo abusos por curtos períodos e de baixa intensidade).

Casos de abuso e violência financeira contra o idoso DEVEM ser denunciados – isso é algo que está fora de discussão. Porém, antes de “apontar o dedo” para alguém, pergunte a si próprio se você também não tem “culpa no cartório”.

Muita gente simplesmente NÃO ENXERGA quando são, elas próprias, as abusadoras. Olhe um pouco para trás. Será que você nunca deu uma “pisada de bola” com seus pais ou avós, e que eles deixaram por isso mesmo em nome do “amor incondicional” e da harmonia no relacionamento familiar?

Se você fizer essa autoanálise e constatar que já deu uma ou outra “bola na trave”, não se martirize por isso. Todo mundo erra e ninguém é perfeito. Mas, se a vítima do seu abuso (ainda que involuntário) ainda estiver viva, aproveite para ter uma atitude nobre, pedir desculpas e, se for o caso, fazer algo para reparar o que foi feito.

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