11/02/2021 • • por Andre Massaro

Autonomia e independência do Banco Central – O que é isso?


No momento em que eu escrevo este artigo, foi anunciada a aprovação, pelo Congresso, da autonomia do Banco Central do Brasil, que agora segue para sanção presidencial.

Isso é uma excelente notícia para aqueles que têm uma visão mais “pró-mercado” e uma postura de maior desconfiança em relação ao Governo que, muitas vezes, acaba cedendo à tentação de interferir nas políticas econômicas para atender a interesses que podem ser do próprio Governo, e não do Estado.

Para começar: A diferença entre Governo e Estado

Aqui, é importante definirmos essa questão conceitual (importantíssima) para termos a real dimensão do significado de um Banco Central AUTÔNOMO e INDEPENDENTE.

O ESTADO é, de forma geral, o país em si. É o conjunto de instituições que forma a “estrutura de controle” de um país.

Já o GOVERNO é quem está “pilotando” essa estrutura de controle.

A gente pode dizer, de forma simplificada, que o ESTADO é algo que tem um tempo de duração indeterminado.

Presume-se que ele é “para sempre”.

Por exemplo, o Brasil: Até onde sabemos, não tem uma “data de validade” para o Brasil. Se não proclamarmos, oficialmente, a “República das Bananas” por aqui, o Brasil tenderá a existir para sempre.

Já o Governo está associado ao MANDATO. Ele dura enquanto o mandato durar. O Governo é o presidente, os ministros e a “turma” dele. É uma coisa (presume-se) “temporária”.

Acabou o mandato, tchau!

Em muitos aspectos, ESTADO e GOVERNO se confundem, até mesmo porque o Governo REPRESENTA o estado.

Por exemplo, o presidente (que é Governo) é o comandante das Forças Armadas (que é uma instituição de ESTADO). Ao menos em teoria, o presidente pode ordenar que nosso Exército invada… sei lá… o Paraguai!

Nesse caso, fica um pouco obscuro se essa é uma ação do GOVERNO (o presidente fez isso com algum interesse específico associado ao seu mandato) ou se foi uma ação de ESTADO (algo de interesse do Brasil, mesmo em governos futuros).

Então, para entender a importância da independência e da autonomia do Banco Central, é importante ter esse entendimento do que é GOVERNO e do que é ESTADO.

Independência do Banco Central

Um Banco Central independente significa um Banco Central com liberdade para definir suas metas e objetivos.

Um Banco Central (não só no Brasil, mas no mundo todo) tem algumas funções “típicas”. A principal delas é o controle da moeda e da inflação.

O Banco Central estabelece, então, metas de inflação (que sejam adequadas para o desenvolvimento das atividades econômicas do país) e, com base na inflação, pode definir outros parâmetros, como taxas de juros, regras de depósito compulsório para instituições financeiras, quantidade de moeda em circulação entre outras.

Bancos Centrais podem ter outras atribuições (como controle do câmbio) e, no caso do Banco Central do Brasil, ele passou a ter, como atribuição secundária, o fomento do “pleno emprego”.

A independência é, então, a liberdade de estabelecer as metas e objetivos econômicos (e, basicamente, só isso).

Autonomia do Banco Central

A autonomia do Banco Central é um “passo além” da independência. Na autonomia, o Banco Central passa a ter liberdade de definir os meios pelos quais cumprirá seus objetivos e metas e, mais importante, de como vai definir sua própria direção, do ponto de vista operacional e de gestão.

Isso significa que o Banco Central passa a ter procedimentos próprios para escolher seus dirigentes, sem interferência (ou com pouca interferência) do Governo.

Guardadas as devidas proporções, é como se o Banco Central passasse a funcionar de forma similar ao Supremo Tribunal Federal, em que o governo pode indicar ministros, mas não pode removê-los (a não ser que haja uma razão justificável).

No caso do Banco Central Brasileiro, com as regras de autonomia, os mandatos da diretoria não coincidem com os mandatos do Governo. Isso significa que o Governo “herda” a gestão já existente do Banco Central e vai ter que trabalhar com ela…

Só vai poder mudar a gestão (indicando uma nova presidência e diretoria) quando “chegar a vez”, o que deve acontecer próximo ao final do mandato do Governo.

Com isso, se espera que o Governo não “mexa” na direção do Banco Central para atender aos seus próprios interesses (do Governo, não do Estado).

Vantagens da autonomia do Banco Central

A maior vantagem é exatamente as restrições de interferência do Governo no Banco Central.

Aqui, voltamos à questão “ESTADO versus GOVERNO”.

Manter a inflação sob controle e a economia equilibrada é um objetivo de ESTADO, pois é algo de longo prazo e associado à estabilidade do país. O Banco Central pode optar por adotar políticas monetárias mais restritivas (o que pode prejudicar a economia no curto prazo) para garantir a estabilidade no longo prazo.

Porém, um Governo, tipicamente, não está muito interessado no longo prazo, e sim naquilo que acontece sob seu mandato. Por isso, é muito tentador, para um Governo, adotar medidas populistas e fiscalmente irresponsáveis (do tipo “imprimir dinheiro e distribuir pra todo mundo”), que deixam as pessoas felizes do curto prazo (e mais propensas a votar nos mesmos governantes ou em candidatos apontados por eles), mas comprometem a saúde econômica do país no longo prazo.

Outra grande vantagem é associada à percepção de risco, que fica sensivelmente melhorada.

A autonomia do Banco Central tende a reduzir as incertezas na condução da Economia e, consequentemente, reduz o risco-país.

A redução do risco-país, por sua vez, se traduz em mais estabilidade da moeda e mais investimentos (especialmente de fora).

Desvantagens da autonomia do Banco Central

A principal desvantagem da autonomia do Banco Central é que o Governo fica “engessado” para tomar medidas econômicas de curto prazo, como estímulos, auxílios e emissão de moeda.

Em boa parte das vezes, esse tipo de medida acaba sendo mais “de Governo” do que “de Estado”.

Em situações economicamente complicadas, os governos gostam de ficar mais “flexíveis” do ponto de vista fiscal, para não gerarem insatisfação popular e prejudicarem sua popularidade.

Porém, em algumas ocasiões, esses estímulos podem ser, de fato, necessários (e o Governo fica “de mãos amarradas”).

Outra potencial desvantagem é conflitos entre o Governo e a gestão do Banco Central, por diferenças de visão na condução da economia, que podem acabar levando a diversos impasses.

A autonomia no mundo

Como regra geral, mundo afora, a autonomia do Banco Central se revelou algo positivo, que se reverteu em redução de risco e inflação mais controlada.

Porém, temos alguns exemplos em que a concessão da autonomia acabou não surtindo os efeitos esperados.

Um exemplo emblemático é a Argentina, onde a autonomia foi concedida ao Banco Central em 1995. Porém, essa autonomia se revelou uma autonomia “de mentirinha” e o governo seguiu, por outros meios, interferindo na condução da política econômica e monetária.

Essa autonomia fake do Banco Central argentino contribuiu para a crise de confiança em relação àquele país, que segue firme e forte até hoje…

Conclusão

No mundo das Finanças e da Economia existe uma grande quantidade de pessoas que tem uma visão (ingênua, diga-se de passagem) de que as coisas são “tudo ou nada”.

Por conta disso, alguns acabam criticando a autonomia do Banco Central, dizendo que ela não “adianta nada” pois ele ainda estará sujeito, ainda que de forma indireta, a interferências.

Porém, o ponto não é ELIMINAR interferências (isso, talvez, seja impossível), mas sim REDUZIR SIGNIFICATIVAMENTE essas interferências.

Imagine que, com um Banco Central não autônomo, a chance de um governo conseguir interferir na gestão monetária é de 80% (hipoteticamente). Com um Banco Central independente e autônomo, essa chance de conseguir interferir fica (novamente, hipoteticamente) de 50%.

Não é perfeito, mas ainda assim é melhor que “a outra opção”.

Por isso, para aqueles que são “pró-mercado” e que não veem com bons olhos o Governo interferindo na condução da economia em busca de “popularidade”, a autonomia do Banco Central é uma boa (e bem vinda) notícia.

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