Uma falácia é, basicamente, um “erro lógico” no processo de argumentação. Falácias são falhas de raciocínio e é uma das coisas que aquele conjunto de habilidades que chamamos de “pensamento crítico” nos ajuda a identificar.
Basicamente, todas as nossas ideias, crenças e conceitos são formulados como argumentos. Um argumento é uma declaração que é composta de uma ou mais premissas e uma conclusão.
Com base em argumentos, formamos crenças, opiniões e tomamos decisões.
Uma falácia é, então, um erro lógico (ou uma sucessão de erros lógicos) que leva a um “argumento defeituoso”.
Entender o que é uma falácia é fundamental para a aplicação do pensamento crítico. E, neste artigo, vamos aprender o que é uma falácia, por que elas “acontecem”, como elas podem ser classificadas e como elas podem ser identificadas.
Definição de falácia
“Uma falácia é um argumento que parece ser válido, mas não é”.
Esta definição de falácia vem do filósofo australiano Charles Hamblin e, na minha opinião, é uma das melhores definições.
Isso porque uma falácia “típica” não é aquele argumento completamente absurdo, que você descarta de imediato (neste caso, nem dizemos que é uma falácia – dizemos, de cara, que é uma imbecilidade). E sim um argumento que “parece fazer sentido” (mas não faz).
Inclusive, na “visão aristotélica”, se diz que a falácia não é apenas um raciocínio falho, mas sim um raciocínio falho que “parece ser bom”.
Então, guardadas as devidas proporções, um argumento falacioso está para um argumento sólido (que é aquele argumento em que as premissas são verdadeiras e a conclusão está logicamente conectada às premissas) assim como a “racionalização” está para o raciocínio. São formas de dar uma “aparência de coisa certa” a algo que está errado..
Classificações das falácias
Existem várias formas de classificar as falácias conforme algumas características. Mas uma classificação comum é pela INTENÇÃO e pela FORMA.
Tipos de falácia conforme a intenção
Com relação à intenção de quem comete a falácia, elas podem ser INTENCIONAIS ou NÃO INTENCIONAIS.
Falácias intencionais
São falácias cometidas DELIBERADAMENTE, com a intenção de manipular, persuadir ou enganar pessoas (inclusive a si próprio).
Falácias intencionais são aquilo que, popularmente, se chama de “desonestidade intelectual”, que é quando a pessoa argumenta com a intenção de defender uma posição que ela SABE que está errada.
Desonestidade intelectual é ser “burro de propósito” e/ou argumentar com má-fé, com a intenção de ludibriar alguém.
Falácias não intencionais
As falácias não intencionais são aquelas falácias que não são cometidas, deliberadamente, para defender uma crença ou para induzir alguém a erro.
São falácias que são causadas, simplesmente, por ignorância, raciocínio desleixado, preguiça mental ou burrice.
Tipos de falácia conforme a forma
Com relação à forma, as falácias podem ser FORMAIS ou INFORMAIS.
Falácias formais
As falácias formais são associadas com argumentos dedutivos, que são aqueles que partem das premissas em direção à conclusão (assumindo que a conclusão é a “consequência lógica” das premissas).
Se diz que um argumento é “inválido” quando a conclusão não se conecta às premissas (ainda que as premissas sejam verdadeiras). É o que se chama, em Latim, de non sequitur (“não há sequência”).
A “falácia formal” ocorre quando há uma falha na estrutura lógica do argumento e ele se torna inválido. Temos o tal non sequitur.
Falácias informais
As falácias informais se aplicam tanto a argumentos dedutivos quanto indutivos.
São falhas nos conteúdos dos “componentes” de um argumento (premissas e conclusão).
Um exemplo comum de falácia informal são as generalizações (inferir que “todos os marcianos são pansexuais” porque você viu dois ou três marcianos pansexuais). Inclusive, as generalizações acabam formando uma “subcategoria à parte” das falácias informais.
As falácias informais também podem ser subclassificadas em falácias MATERIAIS e falácias VERBAIS.
Falácias informais materiais são aquelas em que o erro está, claramente, no conteúdo das premissas ou da conclusão (por exemplo: as premissas são falsas).
As falácias informais verbais são aquelas em que o erro está no “como se está falando”. Neste caso, a conclusão é afetada pelo uso incorreto ou ambíguo de palavras.
Falácias e sofismas
É comum ouvir pessoas se referindo a argumentos falaciosos como “sofismas”. A expressão “sofisma” se aplica, em especial, àqueles argumentos falaciosos INTENCIONAIS, onde há a intenção deliberada de persuadir, ainda que sacrificando a verdade no processo.
A palavra “sofisma” vem dos Sofistas, um grupo de pensadores e filósofos da Grécia antiga que “refinou” a arte do discurso e da oratória para fins de persuasão e convencimento.
“Sofista” é, então, aquele sujeito que não está interessado em identificar a verdade, mas sim em “vencer o debate” ou em “convencer” as pessoas.
Para “vencer o debate”, o sofista não hesita em usar argumentos inválidos ou não sólidos. Mas, obviamente, precisa dar aquela “embelezada” no argumento, para ele passar como alguma coisa que “faça sentido”.
Sofisma é aquilo que, popularmente, as pessoas se referem como “sambarilóve”, “embromation”, “dar um migué”… Ou então aquelas conversas que começam com “veja bem” (que é o “código universal” de que a pessoa vai tentar te enrolar…).
Sofisma é o uso malicioso da falácia, usando técnicas antiéticas e “sujas” para convencer e fazer com que seu argumento seja “vencedor” em um debate. É, enfim, o discurso “bem feito”, porém cheio de falhas lógicas.
E essas “técnicas” para convencer, persuadir e vencer debates realmente existem. Existem diversos cursos e livros que ensinam técnicas de oratória e persuasão para “vencer debates sem ter razão”.
Inclusive, eu recomendo fortemente o estudo desses materiais, para que você aprenda a identificar essas artimanhas e não caia vítima delas (vide a Teoria da Inoculação).
A diferença entre “falácias” e “vieses cognitivos”
Apesar de terem efeitos similares (nos levar a crenças erradas, opiniões erradas e decisões erradas), falácias e vieses cognitivos são coisas diferentes.
Vieses cognitivos
Um viés cognitivo é uma coisa “cerebral”. Ele é decorrente do hardware que carregamos dentro de nossas cabeças e está associado com a interpretação e processamento de informações.
O viés cognitivo é, como o nome sugere, uma propriedade da COGNIÇÃO. É uma predisposição que temos a pensar de certo modo.
Falácias
A falácia não é uma coisa associada à COGNIÇÃO, mas sim ao RACIOCÍNIO. É um problema de software (e não de hardware).
Diferentemente do viés cognitivo, a falácia é uma propriedade do ARGUMENTO e não da COGNIÇÃO. As falácias acontecem não por sermos “predispostos” a cometê-las, mas sim porque PENSAMOS ERRADO.
O que fazer com falácias e vieses cognitivos?
Vieses cognitivos “não têm cura”. Eles fazem parte daquilo que nos define como seres humanos.
Nosso cérebro foi programado evolutivamente para reagir de determinadas formas em determinadas situações. A única forma de “eliminar” um viés cognitivo é fazendo uma lobotomia ou sofrendo uma lesão cerebral…
Não podemos evitar vieses cognitivos. O MÁXIMO que podemos fazer é tentar evitar os efeitos desses vieses cognitivos, identificando-os quando eles surgem e tentando fazer um “ajuste de rota”.
Já as falácias são erros de raciocínio e podem ser evitadas, simplesmente, se forçando a “pensar direito” (ou, se preferir, pensar criticamente).
Podemos dizer que a falácia é o erro no raciocínio, enquanto o viés cognitivo é a inclinação natural em cometer aquele erro.
Por essa ótica, o viés cognitivo pode acabar “levando” à falácia. Já ouviu aquela história de as pessoas “decidem emocionalmente e se justificam racionalmente”?
Pois é… Nesse caso, a falácia se torna a “elaboração racional” do viés. O raciocínio falacioso é aquele que tenta “justificar” o viés cognitivo.
Identificação de falácias
A melhor forma de identificar falácias e argumentos falaciosos é com a aplicação do pensamento crítico, que é um conjunto de técnicas de análise e raciocínio para avaliação de argumentos. O pensamento crítico, quando corretamente aplicado, é, por si só, um “filtro” de falácias.
Seja como for, existe uma lista enorme (e potencialmente infinita) das falácias já identificadas, conhecida como “taxonomia das falácias”.
Essa “lista” de falácias não vai ser objeto deste artigo, que vai se limitar aos aspectos conceituais das falácias. Mas é importante termos algumas coisas em mente com relação às falácias.
A primeira delas é que as falácias não são (ou não costumam ser) fáceis de identificar.
Como vimos no começo do artigo, o argumento falacioso é aquele que “aparenta ser sólido”. Os argumentos falaciosos costumam utilizar padrões retóricos e de comunicação complexos, que ocultam a veracidade das premissas e as conexões lógicas.
E, especialmente no caso de argumentos falaciosos intencionais (os “sofismas”), eles costumam vir “carregados de emoção”, o que dificulta ainda mais sua identificação.
Neste aspecto, já podemos dizer que um argumento com forte carga emocional já é “suspeito” logo de cara. O uso da emoção é um dos principais artifícios usados por sofistas e enroladores em geral.
Seja como for, é importante saber identificar falácias.
Em primeiro lugar porque todas as suas decisões conscientes são baseadas em argumentos. Se você não conseguir identificar um argumento falho, suas decisões também serão falhas (e, basicamente, você vai depender da sorte para ter sucesso em sua decisão).
E, em segundo lugar, porque em um debate ou em algum processo que envolva pensamento crítico, o “ônus da prova” é de quem aponta a falácia.
Quem alega que um argumento é falacioso, é responsável por demonstrar isso. E essa demonstração é o que leva à refutação do argumento.
Então, aprenda a identificar e refutar falácias… E proteja sua própria mente.
Comentários
Ótimo artigo.
Vendo a taxonomia das falácias deu vontade de decorar e sair classificando as minhas e as dos outros. Vou precisar de muita memória pra isso. Mas dificilmente vão faltar exemplos.
Vejam um exemplo esdrúxulo, mas real: uma amiga, que teve COVID, disse que com certeza o vírus que ela pegou era chinês pois teve muita fome ao se recuperar. Eu perguntei qual a relação entre a fome e a origem do vírus ao que ela respondeu dizendo que chineses tem uma fome voraz pois comem todo o tipo de coisa, como insetos, cachorros.
Ótimo tema e voa abordagem.