O dinheiro é a solução para grande parte dos problemas da vida. Porém, às vezes, ter dinheiro é, por si só, um problema… Especialmente quando esse dinheiro tem uma origem “obscura” e que pode te complicar. E para descomplicar a vida de pessoas que ganham dinheiro de formas estranhas, existe um processo (ilegal – importante de ressaltar) chamado de “lavagem de dinheiro”.
O dinheiro não é um problema (nunca foi). O que acontece é que o dinheiro pode acabar funcionando como elo de ligação de uma pessoa a uma atividade ilegal, servindo, ele próprio (o dinheiro) como evidência dessas atividades criminosas.
A origem do termo “lavagem de dinheiro”
É comum, em vários países e várias línguas, dizer que o dinheiro originário de atividades ilegais e criminosas é um dinheiro “sujo”. “Lavar” o dinheiro é executar uma série de ações e procedimentos para desvincular o dinheiro dessas atividades criminosas ou, pelo menos, tentar dificultar ao máximo a possibilidade de se identificar esse vínculo.
Com isso, o dinheiro “sujo” (oriundo de atividade ilegal) se torna um dinheiro “limpo”, supostamente originário de atividades legítimas e que, fiscalmente, passa a ter “origem”. “Ter origem” significa que o dono daquele dinheiro consegue justificar, às autoridades, que o dinheiro é derivado de atividades legais e lícitas.
Porém, a verdadeira origem do nome é mais “folclórica”. O famoso gângster Al Capone, nos anos 20 e 30, comprou uma rede de lavanderias para tentar dar legitimidade ao dinheiro oriundo das atividades criminosas, e foi aí que o nome “lavagem de dinheiro’ se popularizou.
O “processo básico” da lavagem de dinheiro
Para saber qual é a origem de determinado dinheiro, basta ver por onde ele “passou”. Qual foi a sequência de pagamentos que foi feita até que aquele dinheiro chegasse no suspeito. Se aquele dinheiro for “sujo”, basta fazer, em ordem reversa, os mesmos passos que aquele dinheiro fez e você chega na origem.
Porém, isso não é uma coisa muito fácil. Quando falamos de dinheiro manual (notas e moedas), é basicamente impossível saber por onde aquele dinheiro passou, pois as transações não deixam registros. Inclusive, essa é a razão pela qual os “lavadores de dinheiro” sempre preferem fazer as coisas em dinheiro vivo.
No caso do dinheiro escritural (aquele dinheiro que não existe em formato físico, e sim como depósitos bancários e outros ativos líquidos intangíveis), a coisa é um pouco mais difícil, pois o dinheiro deixa rastros. Cada transação precisa ser registrada pelas instituições financeiras por onde o dinheiro passa.
Por isso, nesse caso, o objetivo dos lavadores de dinheiro é fazer inúmeras movimentações do dinheiro, inclusive transitando com ele em diferentes países, de tal forma que se torne impraticável, para as autoridades, investigar os caminhos que esse dinheiro fez.
O tal “processo básico” de lavagem de dinheiro tem, então, três etapas:
1ª etapa – Colocação
Nesta etapa, o objetivo é inserir o dinheiro sujo no sistema financeiro. Imagine que um criminoso tenha uma “pilha” de dinheiro, em notas, originárias de sua atividade criminosa. A primeira coisa a se fazer é “se livrar” desse dinheiro, transformando o dinheiro físico em dinheiro escritural.
Para isso, se insere esse dinheiro no sistema financeiro, através de depósitos bancários, cheques ou aquisição de ativos diversos pagando em dinheiro vivo. Uma vez que o dinheiro está inserido no mercado financeiro, ele pode circular em altíssima velocidade.
2ª etapa – Ocultação
Esta etapa consiste em fazer inúmeras movimentações com o dinheiro. Todas as transações financeiras geram registros, mas o objetivo, aqui, é fazer com que esses registros sejam os mais “bagunçados” possíveis, de forma a dificultar o rastreamento.
Então, os lavadores de dinheiro circulam o dinheiro o máximo possível, passando ele por inúmeras contas bancárias (geralmente em nome de “laranjas”), mandando para outros países (especialmente países que são “paraísos fiscais”, que oferecem proteção adicional para quem quer ocultar dinheiro) e fazendo transações financeiras diversas.
A ideia, nesta fase, é tentar, o máximo possível, dissociar o dinheiro de sua verdadeira origem.
Leia aqui: O que são paraísos fiscais
3a etapa – Integração
Esta é a última etapa, quando o dinheiro volta “limpo” do mercado financeiro. Aqui, a preocupação do lavador de dinheiro é, apenas, de dar uma origem legítima para que o dono do dinheiro possa, enfim, “desfrutar” dele com tranquilidade.
Um exemplo de lavagem de dinheiro:
Uma quadrilha conduz determinada atividade criminosa e gera grandes quantidades de dinheiro. Esse dinheiro precisa ser inserido, de alguma forma, no sistema financeiro.
A quadrinha, então, fraciona o dinheiro e distribui para vários cúmplices (“laranjas”, que no exterior são chamados de smurfs – sim, os homenzinhos azuis), que farão vários depósitos de pequeno valor (que não precisam ser reportados pelos bancos às autoridades financeiras) em inúmeras contas. Esta é a fase de colocação.
Agora vem a fase de ocultação. Esse dinheiro começa a ser movimentado freneticamente. Vai de uma conta para outra, se faz inúmeras transações internacionais (envolvendo contas em paraísos fiscais) de forma fragmentada e irregular, de um tal jeito que se torna quase impossível “ligar os pontos”. Ao final do processo, esse dinheiro pode ficar com uma empresa de fachada, em algum paraíso fiscal, já devidamente “limpo”.
Aqui no Brasil, uma empresa (igualmente de fachada) pode fazer um “contrato de consultoria” ou de prestação de serviços com essa outra empresa de fachada no exterior.
Obviamente que não há consultoria nenhuma, mas são duas empresas legítimas (ainda que “de fachada”), com um contrato firmado entre elas. A empresa brasileira recebe o pagamento de sua “cliente” no exterior, paga seus impostos, distribui o lucro aos seus sócios e, voilà, dinheiro limpíssimo!
Os melhores meios e métodos para lavar dinheiro
Uso de empresas e instituições
Na fase de colocação, o ideal é usar empresas que prestam serviços e que tenham muitos recebimentos em dinheiro vivo. A famosa rede de lavanderias de Al Capone é um bom exemplo… A lavanderia pode ficar às moscas, mas ela reporta grandes lucros, como se tivesse muitos clientes pagando em dinheiro.
Empresas como salões de beleza, estacionamentos, lava-rápidos, casas noturnas, casas de show e outras do gênero são ideais, pois podem receber grandes quantias de dinheiro sem dar uma mercadoria “tangível” em troca. Isso ajuda muito a disfarçar e, em alguns casos, esse tipo de empresa já permite que o dinheiro entre no sistema financeiro devidamente “limpo”, fazendo o ciclo completo da lavagem.
Igrejas e entidades assistenciais também podem ser usadas para lavar dinheiro, pois elas têm a prerrogativa de receber dinheiro vivo através de doações… E como saber qual é a origem do dinheiro?
Ativos de difícil precificação
Ativos que não tenham um “preço de mercado” facilmente determinado são ideais para lavagem de dinheiro. Por exemplo, uma obra de arte – o que define o valor de uma obra de arte?
Eu posso fazer um quadro que não seja nada mais que uma tela branca com um “X” escrito com caneta Bic e um milionário excêntrico pode achar que aquilo é uma incrível manifestação artística – e topa pagar um milhão de dólares pela minha “obra”… Que crime há nisso?
Talvez o “artista” que fez o quadro seja um traficante e o milionário excêntrico seja a empresa offshore dele… Que tal?
Outros exemplos de ativos de difícil precificação são itens de coleção, animais (cavalos de raça etc.), joias e serviços, como consultorias e palestras. Uma empresa pode me contratar para fazer palestras, a cem mil reais cada, para eu contar as histórias de minha infância… Qual a ilegalidade disso?
2001, o ano em que “complicou”
Lavagem de dinheiro é um assunto que eu, modéstia a parte, já “entendi bastante”. Isso porque o meu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso), na minha graduação em Administração, teve o título “Programa de Controle da Moeda em Bancos – Uma Abordagem do Combate à Lavagem de Dinheiro” (isso em 1998 – o original deve estar enfiado em algum arquivo empoeirado da FAAP – Fundação Armando Álvares Penteado).
Na época, eu estava trabalhando em um banco estrangeiro e tinha vindo de uma empresa de auditoria. Temas como lavagem de dinheiro, gerenciamento de riscos e compliance estavam, naquele momento, “na moda”, e eu achei que seria uma boa ideia estudar o assunto (e foi).
Porém, a coisa mudou (bastante) de figura em 2001. Em 2001, tivemos o infame ataque terrorista ao World Trade Center e os Estados Unidos iniciaram aquilo que ficou conhecido como “guerra ao terror”.
O lado mais visível da guerra ao terror foram as ações militares capitaneadas pelos EUA (que levaram à 2ª Guerra do Golfo, entre outras). Mas o “bicho pegou” mesmo foi no setor financeiro.
Até 2001, lavar dinheiro era uma coisa absurdamente fácil. Naquela época, enquanto eu pesquisava para a minha monografia, era possível abrir o seu próprio banco (sim, um BANCO, não uma empresa qualquer) em um paraíso fiscal, com pouco dinheiro e sem precisar colocar o pé naquele país. Era possível abrir, em inúmeros países, uma companhia com 100% das ações ao portador, que nem o governo local poderia saber quem eram os donos verdadeiros.
Por pressão dos EUA e de seus aliados (que começaram a perseguir as movimentações financeiras de organizações terroristas) essa “farra” acabou. Hoje em dia, a lavagem de dinheiro segue firme e forte como nunca, mas é um jogo muito mais difícil e profissionalizado do que era antes de 2001.
Conclusão
Cada vez mais as autoridades de nações desenvolvidas (como os EUA e os países da Europa Ocidental) vêm criando mecanismos para impedir ou, pelo menos, dificultar a lavagem de dinheiro.
O Brasil segue, basicamente, as mesmas práticas e conceitos dessas nações desenvolvidas no combate à lavagem de dinheiro. Em particular o nosso sistema financeiro é extremamente rigoroso e a atividade de colocação está longe de ser algo fácil por aqui.
O Brasil, inclusive, se une às economias desenvolvidas na pressão contra os chamados “paraísos fiscais”, que ainda são, até certo ponto, um porto seguro para criminosos e lavadores de dinheiro em geral.
Porém, a criatividade dos lavadores de dinheiro é infinita e, por mais que se criem restrições à atividade deles, eles sempre conseguem inventar algum jeito novo de fazer aquilo que querem fazer.