“Toda criança é um artista. O problema é o como manter-se artista depois de crescido” (Pablo Picasso)
Eu quero começar este artigo te convidando a fazer reflexões sobre a sua infância e a sua relação com a criatividade:
- Na sua infância, você fez alguma associação negativa com criatividade? Alguém te convenceu (ou tentou te convencer) de que:
- Criatividade é uma coisa pouco prática
- Criatividade é uma coisa pouco masculina (se você for homem)
- Criatividade é coisa de gente “sonhadora”
- Criatividade é coisa de gente louca
- Você acha que se tornou uma pessoa adulta menos criativa do que poderia ser, porque sua criatividade foi inibida durante a sua infância (ou você não teve o apoio necessário para desenvolvê-la)?
- Você tem medo de se expressar criativamente e sofrer julgamentos, repreensões ou ridicularização?
Bem, se você respondeu “sim” a algumas dessas perguntas, saiba que você não está só. Você é apenas mais uma pessoa que foi devidamente “enquadrada” nos padrões de conformidade do mundo.
E, o pior de tudo: Depois de ter tido sua criatividade massacrada e pisoteada na infância, talvez você tenha que ouvir, hoje em dia, de seus chefes e outros “palpiteiros de plantão”, que você não consegue avançar profissionalmente (e mesmo pessoalmente), de forma mais rápida e consistente, por NÃO SER uma pessoa “suficientemente criativa e inovadora”.
Isso é para dar um nó na cabeça de qualquer um…
Para começar: O que é criatividade?
Criatividade é a capacidade de criar ideias e conceitos que sejam ÚTEIS e que tenham algum PROPÓSITO. E essa questão de “utilidade” e “propósito” é importante para uma definição correta de criatividade.
A criatividade é um processo que foi reconhecido há relativamente pouco tempo. Até um pouco antes da Renascença, a maioria das culturas sequer tinham um conceito de criatividade.
Para os antigos (de orientação mais mística e metafísica), as ideias e conceitos não eram “criados”, e sim “revelados”. Eles já existiam (em algum plano superior de existência) e as pessoas criativas eram apenas aquelas que conseguiam se conectar com esse meio “supranatural”.
Hoje, a criatividade é reconhecida como uma habilidade cognitiva. Ela faz parte daquilo que se chama de “flexibilidade cognitiva”, que é uma das funções executivas do nosso cérebro.
Não se sabe exatamente “onde a criatividade está”, mas já se sabe que o córtex pré-frontal é a estrutura cerebral mais associada com os processos criativos.
Estão mentindo para você sobre a criatividade
Na sua infância, mentiram para você sobre a criatividade, o que te levou a (provavelmente) inibi-la na fase adulta.
Agora, como pessoa adulta, estão mentindo para você DE NOVO, dizendo que a criatividade é uma coisa importante (isso é verdade) e que as empresas e escolas querem fomentar a capacidade criativa das pessoas (essa é a parte que não é, assim, tão verdadeira…).
Como você deve suspeitar, muito do que se fala sobre criatividade e inovação, no contexto de negócios, carreira e educação, é pura “conversa para boi dormir”… É um discurso vazio, travestido de “modernidade”, mas que esconde o mesmo conformismo e a mesma opressão que você presenciou (ou deve ter presenciado) na sua infância.
Alunos criativos são um pé no saco…
E essa opinião não é minha…
Eu sou professor (de finanças e de pensamento crítico) e trabalho apenas com o público adulto (que já teve sua criatividade trucidada no passado). Então, eu raramente me deparo com alunos questionadores e criativos. A maioria das pessoas que me procura está em busca de “ferramentas” e não demonstra muito interesse em temas conceituais.
Mas o público infantil é diferente. Eles não sofrem as mesmas pressões do público adulto (de terem que aplicar o conhecimento em suas vidas profissionais) e podem se dar ao luxo de aprender “apenas por aprender” (alguns adultos fazem isso também, mas são uma minoria).
E, apesar do discurso de algumas escolas sobre “fomentar a criatividade”, a verdade é que os professores não parecem tão animados com a ideia.
Algumas pesquisas acadêmicas mostram que os alunos “favoritos” dos professores são aqueles que apresentam traços de personalidade associados ao conformismo, à passividade e ao baixo questionamento (traços negativamente correlacionados com pessoas criativas).
O mais famoso desses estudos acadêmicos é dos professores de psicologia Erik L. Westby e Valina L. Dawson que, em 1995, publicaram o artigo “Creativity: Asset or Burden in the Classroom?”.
Ou seja, professores vivem uma relação “de amor e ódio” com a criatividade. Por um lado, gostam da criatividade e reconhecem (legitimamente, na maioria dos casos) que é uma coisa importante.
Porém, na vida prática, acabam tendo dificuldade com o não-conformismo e a postura questionadora dos alunos criativos.
Pois é, esses alunos criativos são uns pentelhos…
Empresas e organizações mentem sobre a criatividade
A maioria das empresas e organizações modernas declara, publicamente, que fomentam (ou querem fomentar) a criatividade e a inovação. Mas experimente perguntar para algum funcionário que resolveu, de fato, “pensar fora da caixa” (se ainda não tiver sido demitido…).
O que vimos que acontece com os professores, anteriormente, é o que acontece com (quase) todo mundo: O mundo é contraditório em relação à criatividade.
Por um lado, as pessoas dizem que a criatividade é uma coisa boa e positiva (é muito raro alguém dizer, explicitamente, que a criatividade NÃO É uma coisa boa).
Mas, na prática, a maioria das pessoas (e nunca é demais lembrar que empresas e organização são, essencialmente, “pessoas”) demonstram intolerância com gente criativa.
De uma forma geral, as pessoas:
- São resistentes a novas ideias
- São apegadas às suas crenças
- São apegadas a tradições
- Abominam incertezas e ambiguidade
- São avessas ao risco
- Estão presas às suas zonas de conforto
Elas podem fazer o discurso de apoiarem a criatividade e a inovação, contanto que ninguém interfira em seu status quo…
Assim como nas escolas, as pessoas verdadeiramente criativas são vistas como não-conformistas, questionadoras, “encrenqueiras” e difíceis de serem controladas. E, em uma empresa ou organização, no fim das contas, tudo se resume a “controle”.
“Eu quero que você seja criativo e inovador, contanto que eu possa te controlar”.
Criatividade e o mito da tolerância ao erro
No mundo das startups e empresas de tecnologia, virou quase um mantra a ideia de que os erros não só são tolerados, mas são INCENTIVADOS.
No Facebook, o lema é “mova-se rápido e quebre coisas” (move fast and break things).
Para algumas empresas, essa postura de incentivar o erro (“se você não está errando é porque não está tentando”) é legítima. Mas, para uma boa parte das empresas que se dizem “inovadoras”, a tolerância ao erro é apenas mais um modismo e um discurso vazio.
Na maior parte das empresas e organizações, ideias novas e radicais são recebidas do mesmo jeito que muitas manifestações criativas são recebidas na infância: com hostilidade, julgamentos e ridicularização – não só por parte dos líderes, mas também dos colegas.
E, para ver como isso funciona na prática, basta ver a quantidade de empresas e organizações que vive, simplesmente, de IMITAÇÃO.
A hostilidade às novas ideias e à criatividade é um dos maiores incentivadores do comportamento de imitação.
E o autor de uma ideia criativa só costuma ser levado a sério depois que (e se) sua ideia se prova um sucesso. Antes disso, um profissional criativo está sujeito a um grande risco.
Conclusão
Não se discute que a criatividade é uma coisa positiva. A criatividade faz parte da função executiva do cérebro, que é associada à inteligência geral. Então, há forte correlação positiva entre a criatividade e a inteligência.
Pessoas criativas são, tipicamente, pessoas inteligentes.
Porém, é preciso entender que, caso você seja uma pessoa criativa, o mundo não estará exatamente “a seu favor” (pelo contrário).
Apesar do discurso “enlatado” (tanto de escolas quanto de organizações) de que a criatividade e a inovação devem ser “fomentadas”, o fato é que pessoas criativas são muito mais punidas do que recompensadas. Isso é uma verdade na infância e, também, na fase adulta.
Por isso, não basta ser uma pessoa criativa: É preciso ser uma pessoa “meta-criativa”. Ou seja: “criativa em usar a criatividade” – criativa em encontrar meios de usar a própria criatividade de forma a evitar reações de hostilidade e que não te coloquem em situação de risco (em seu ambiente escolar ou profissional).
Comentários
Bem isso…. o metacriativo é que sobrevive.
Sensacional.
Principalmente o ultimo paragrafo, ja sofri e sofro demais ainda mais sendo uma pessoa de vendas que muitas vezes precisa ser focado em metas, quando voce nao atinge, vc é julgado pois foi criativo demais e nao tentou ser conservador.
Entendi muito bem o que é ser troublemaker ou encreiqueiro, e na verdade com o tempo acabei entendendo que ter esse comportamento nao basta, vc precisa realmente ter inteligencia para pessoas que nao estao preparadas para lidar com o seu comportamento, voce precisa tentar se antever a elas e tentar de uma outra maneira mostrar que seu comportamento é benéfico, logo, vc tem que tentar de verdade fazer um equilibrio maior do que as pessoas que nao sao assim.
Tema interessante. Muito bom. Vamos tentar estimular mais nosso lobo frontal pare resolver problemas de forma criativa.
Quem mais cria, mais erra, e pode ser demitido, quem menos cria menos erra e pode ser promovido será esse o caminho?
Fantástico Massaro ! Teve a coragem de falar o que os palestrantes que seguram a bandeira da inovação e disrupção não querem contar.
Excelente o texto sobre a Criatividade!
Parabéns
O texto está muito bem desenvolvido. Mas acho que a parte onde ele realmente começa é a partir do último parágrafo.
Abraço