Os anos de 2018 e 2019 foram marcados, para mim, pela ressurgência de uma palavra “das trevas”: Rentismo (sendo “rentista” aquele que pratica o rentismo). “Rentismo” é uma palavra que me remete àquelas aulas de economia na faculdade, em que eu não sabia muito bem se eu estava dormindo ou acordado. Porém, por alguma razão, a palavra voltou à moda e, mais interessante, voltou com um sentido diferente daquilo que se fala em economia.
A volta do rentista
As palavras “rentismo” e “rentista” voltaram a ser usadas, mas no sentido de definir a pessoa que vive das rendas geradas por seu patrimônio ou, numa visão ainda mais simplificada, é a pessoa que “não trabalha”. Então, nessa visão moderna de rentismo, o rentista é aquele cara que fica sentado no sofá, coçando o saco e assistindo Netflix enquanto seu patrimônio gera juros, dividendos ou aluguéis.
Provavelmente, não passa pela cabeça de quem aponta um dedo acusador que esse patrimônio (que hoje gera renda) foi construído por alguém que trabalhou – seja a própria pessoa que está desfrutando dele ou alguém de uma geração anterior.
Tem se usado muito a figura do rentista como elemento de suporte de discursos vitimistas na linha “eu tenho que dar duro enquanto tem gente só aproveitando a vida na beira da piscina”.
Só que rentismo não é isso…
Entendendo o que é lucro e renda
Em alguns aspectos, o mundo da Economia conflita com o mundo da Contabilidade e da Administração. Um desses pontos de conflito é o entendimento das palavras “renda” e “lucro”.
Do ponto de vista contábil (e de administração financeira), o entendimento de “lucro” é bastante direto e intuitivo: é receitas menos despesas. Porém, o conceito de lucro econômico leva em conta, também, o custo de oportunidade.
Então, evitando entrar nos pormenores obscuros da Economia, em um setor que exista competição perfeita (ou algo próximo disso), as empresas não conseguem obter lucro econômico. Elas, na melhor das hipóteses, “pagam as contas” (sendo que o lucro – contábil – dos sócios é uma das contas a serem pagas).
O conceito econômico de “renda” também é diferente do conceito contábil e financeiro. Em economia, a renda é a remuneração dos fatores de produção (terra, capital e trabalho).
Numa economia “eficiente” ou perfeitamente competitiva, não deveria ser possível obter renda além daquilo que remunera os fatores de produção – assim como não deveria ser possível obter lucro econômico.
Enfim, o que é rentismo?
É comum se referir ao rentista (inclusive aqui no Brasil) pela expressão em Inglês “rent-seeker” (buscador de rendas”, em tradução literal) e ao rentismo como rent-seeking.
Então, a gente pode dizer, de forma simplificada, que “rentismo” é receber rendas (no sentido econômico) acima daquilo que remunera os fatores de produção. Se você recebe alguma renda sem gerar (ou ter gerado) algum tipo de benefício econômico ou social, você é um rentista.
O rentista é, então, aquele cara que é “protegido” da competição (geralmente por alguma benesse do Governo). Uma pessoa ou empresa que está exposta à competição não consegue gerar (ou gera pouca) renda econômica adicional. Mas quando você está protegido da competição (por ter algum monopólio, subsídio ou reserva de mercado), você ganha mais do que aquilo que deveria ganhar em condições normais.
Por isso, o verdadeiro “rentista” não é o sujeito que tem um patrimônio e vive das rendas daquele patrimônio (apesar de que alguns podem ter acumulado esse patrimônio com a prática do rentismo).
Quem são, de fato, os rentistas
Os rentistas são pessoas ou empresas avessas à competição e que querem um “cercadinho para chamar de seu”.
São rentistas “de verdade”:
- Empresas que vivem implorando por subsídios do Governo e benefícios fiscais (e geralmente conseguem…), alegando que os chineses, os marcianos ou seja lá quem for vão “destruir a indústria nacional”. Frequentemente esse tipo de rentista faz “chantagem” com o Governo, sinalizando com a ameaça de desemprego.
- Categorias profissionais que pressionam o Governo por “regulamentação”. Em alguns casos, a regulamentação é necessária, pois a atividade pode apresentar riscos à segurança e à saúde das pessoas se for mal executada. Mas a maioria dos pedidos de “regulamentação” tem como objetivo real formar reserva de mercado e dificultar (ou mesmo impedir) a entrada de novos competidores.
- Pessoas que exploram, sem realmente precisar, benefícios fiscais e incentivos dados pelo Governo a grupos e indivíduos que, por alguma razão, precisam (de verdade) de ajuda e benefícios.
Enfim, o rentismo (ou rent-seeking) não gera qualquer tipo de valor econômico. Ele apenas transfere riqueza daqueles que não têm privilégios para aqueles que têm.
Quando você é obrigado a comprar um produto de qualidade inferior, pagando mais caro do que deveria, porque o Governo quer “proteger” aquela empresa dos invasores marcianos, saiba que você está sendo vítima de um verdadeiro rentista (que, neste caso, é o empresário protegido que, se não contasse com uma “ajudinha” do Governo e tivesse que contar apenas com a própria competência, seria dizimado pelos concorrentes).
Quando você é obrigado a contratar um profissional qualquer (que não vai te fazer uma cirurgia cerebral ou algo que represente um risco real a você) e TEM que ser um profissional com registro no “Conselho-Sei-Lá-de-Quê”, pagando um valor mínimo que é definido pelo “Sindicato-Sei-Lá-de-Quê” (quando uma outra pessoa poderia fazer o mesmo trabalho mais barato e com qualidade igual ou superior), saiba que você está sendo vítima de um verdadeiro rentista.
Nos dois casos, você paga mais do que deveria e recebe menos do que deveria… ISSO é rentismo.
Então, por favor, deixem em paz aquelas pessoas que acumularam patrimônio e hoje vivem das rendas desse patrimônio. A grande maioria das pessoas que condena aqueles que não trabalham (e que têm a possibilidade de viver sem ter que trabalhar), na verdade, não condenam por um senso de injustiça, e sim por pura inveja e ressentimento.
Os verdadeiros rentistas são aqueles que estão “sugando” as pessoas com atividades inúteis e produtos e serviços de baixa qualidade, que ninguém pagaria se tivesse a opção de não pagar. São aqueles profissionais que prestam um serviço “lixo”, mas não podem ser tirados dali porque alguém está dando àquelas pessoas algum tipo de privilégio ou exclusividade.
E a ironia suprema é que uma boa parte daqueles que acusam as pessoas de serem rentistas (no sentido de viverem das rendas de seus patrimônios) são, elas próprias, rentistas no sentido “correto” da palavra – gente que só consegue sobreviver porque tem algum tipo de privilégio ou uma “teta governamental” para mamar.
Comentários
BOA TARDE.
GOSTEI MUITO DO SEU ARTIGO, A PESAR DE SER UM TEMA MEIO COMPLEXO PRA MIM, ACHO QUE CONSEGUI ABSORVER MUITA COISA. MAS FIQUEI COM DUAS DÚVIDAS PRINCIPAIS.
1… QUEM SÃO OS RENTISTAS DO GOVERNO?
2. .. QUE TIPO DE SERVIDOR PÚBLICO SE ENCAIXA NA PARCELA DE RENTISTAS, ( tipo, quem oferece um serviço lixo cobra caro mas não pode deixar de existir porque o governo os protege?) DESCULPA SE EU ENTENDI ERRADO.
PRA FINALIZAR, DIZER QUE SÃO DÚVIDAS MESMO, ME INTERESSEI PELO TEMA..
MUITO OBRIGADA, AGUARDO ANSIOSA ….
1… QUEM SÃO OS RENTISTAS DO GOVERNO?
– Políticos, Funcionários Públicos e Empresários monopolistas gracas a regulamentação e proteção estatal, impossibilitando a concorrência de livre mercado.
2. .. QUE TIPO DE SERVIDOR PÚBLICO SE ENCAIXA NA PARCELA DE RENTISTAS
– Todos, simplesmente pelo fato de que os serviços providos pelo estado serem de péssima qualidade e caros. Os mesmos poderiam ser providos livremente por empresas, mas o estado e um monopolio da forca que nao permite concorrencia nos setores em que atua.
“Provavelmente, não passa pela cabeça de quem aponta um dedo acusador que esse patrimônio (que hoje gera renda) foi construído por alguém que trabalhou” claro que foi construído por alguém que trabalhou, os escravos da família de seus antepassados. Mais de 90% dos ricos de hoje fazem parte de famílias que são ricas desde o descobrimento do Brasil.
Concordo contigo Fabricio. Não se questiona a origem do patrimônio de quem, hoje, tem o privilégio de não trabalhar. Ainda temos o mito do “europeu que chegou em terras selvagens e construiu patrimônio e fortuna do nada”, ignorando as benesses dadas pelo governo a esses “colonos” na tentativa de embranquecimento da nação. E ainda tenho que ler que “A grande maioria das pessoas que condena aqueles que não trabalham, na verdade, não condenam por um senso de injustiça, e sim por pura inveja e ressentimento”. Exploração da força de trabalho escravagista virou ressentimento. Lutar por menos desigualdade virou inveja.
Leram tudo errado. Voltem 2 casas e tentem entender de novo.
“Quando você é obrigado a contratar um profissional qualquer (que não vai te fazer uma cirurgia cerebral ou algo que represente um risco real a você) e TEM que ser um profissional com registro no “Conselho-Sei-Lá-de-Quê”, pagando um valor mínimo que é definido pelo “Sindicato-Sei-Lá-de-Quê” (quando uma outra pessoa poderia fazer o mesmo trabalho mais barato e com qualidade igual ou superior), saiba que você está sendo vítima de um verdadeiro rentista.”
que inversão bonita, mesmo falaciosa. como se a regulamentação sindical fosse de fato o berço dos rentistas, quando na verdade a gente tem uma elite brasileira que não recolhe proporcionalmente nada em impostos, vive de heranças e patrimônios de séculos de exploração no Brasil… e daí a classe média se vira uma contra a outra achando que quem quer direitos trabalhistas quer mamata, quando na verdade, a mamata sempre foi da elite.
A regulamentação por conselhos e sindicatos foi muito importante durante um tempo de nossa sociedade, mas pelo menos os segundos estão em franca decadência. Por conta da própria volubilidade das profissões e do conceito de profissão em si. Uma “profissão” pode ser extinta ou reorganizada em questão de semanas nos tempos atuais. Por isso há tantos sindicatos “zumbis”, “pro forma” ou que não são levados à sério nem pelos empregados do setor.
Quanto à questão da “reparação histórica”, se encaixa no que Caetano Veloso dizia sobre “deixar pra matar amanhã o velhote que morreu ontem”…
Vejo o comentário de 3 desocupados e provavelmente rentistas em potencial ou nem isso porque nem pra isso tem capacidade.
A maior parte da população Brasileira já descende de imigrantes que vieram de boa parte do planeta e não das “famílias que detém 90% da riqueza”. Jorge Paulo Lemann é filho de imigrante, Abílio Diniz idem, Senor Abravanel a mesma coisa. Nota-se um ranço nessas criaturas que talvez eles mesmos sejam descendentes de senhores de escravos e imputam em terceiros a sua própria vergonha, as quais muitos que aqui tem suas famílias nem viveram pois vieram de fora para trabalhar em lavoura ou comércio.
Resumindo, vão ser úteis e não encham o saco
Muito bom! Eu fiquei um tanto perdido com a ideia de “rentista” trabalhada no texto, mas por questões semânticas. Entendo que você trabalha com o conceito de rentista no sentido conotativo, certo? Isso porque as próprias pessoas aplicam o sentido de “rentista” de maneira pejorativa. Isso não é, infelizmente, novidade. Fazem o mesmo com tantos outros termos que servem como palavras soltas, dadas aos inimigos.
O pior de tudo, André, é que, o preconceito ao conceito de renda leva pessoas a manterem-se na ignorância, sobretudo financeira. Acreditar que ter renda extra através de juros e dividendos é pecado é condenar-se a estar do outro lado. Ou seja, ao transformar o outro lado em vilão, viro eu mesmo a eterna vítima da situação. Pena, pois é justamente este tipo de coisa que o brasileiro mais carece.
Obrigado pelo texto!
Muito interessante o texto. Principalmente por ainda nesses tempos de acesso a muitas informações, ele despertou paixões e destituiu máscaras. Interessante os comentários pois até mesmo tentam utilizar dados “+ de 90%” , claramente influenciados por nossos ex governantes que exorbitavam e vomitavam dados inverídicos em eventos, comprovando que fizeram escola, desta maneira fica claro que essa técnica é sedutora e voraz. Aproveitem o conteúdo, reflitam e parem de lutar por desigualdade e vão gerar riqueza e tornar possível distribuí-la. Que os comentaristas de plantão parem de desdenhar o resultado dos outros e não meçam a humanidade com sua régua. Quer receber riqueza? Gere a sua!
Interessante. Cheguei a conclusão que a sociedade brasileira tem uma dívida comigo. Meus antepassados italianos foram enganados pelo governo que prometeu terra e ferramentas pra trabalhar. Foram jogados no mato e tiveram que se virar sozinhos. Quero minha terra onde eles fizeram suas primeiras lavouras, quero minha cota de gringo italiano pra entrar na faculdade e no serviço público. Quero ser respeitado como minoria explorada. Depois que tiver com os bolsos cheios de dinheiro com meu trabalho de “assessor do governo para gringos italianos” e do ” sindicato dos gringos explorados”, quero que volte a SELIC de 14 a.a. para ter rentabilidade nas minhas aplicações , como era na época do PT. Vão plantar batata, eu já fiz muito isso e é daí que vem meu dinheiro e não de mamatas de sindicatos e ASPONES ( assessor de porra nenhuma).
Muito bom o texto como sempre.
Alguns comentários infelizes como “Ignorando as benesses dadas pelo governo a esses “colonos”” como se não houvessem benesses para pessoas que mesmo gozando de plena saúde, não produzem nada para a sociedade e a economia do país.
Ta na hora de parar de tanto mimimi e todo mundo começar a se responsabilizar por sua situação e tentar fazer algo produtivo economicamente e intelectualmente.
Palavras de uma pé de barro trabalhadora e que produz para sustentar as benesses de que nem nada produz.
Celestino, antes de a sociedade brasileira pagar dívidas que tem com os descendentes de imigrantes como vc, que vieram para trabalhar, deve antes restituir os descendentes de negros africanos que vieram forçados para serem escravizados!
Então, na sua infeliz logica, quem tem patrimônio por meio de empresas trabalha? kkkkkkkkk e por isso é justo, porque gera benefícios sociais. Se toda a sua argumentação parte desse pressuposto, ela é falsa porque capitalistas não trabalham. VOCE NÃO CONSEGUE PROVAR QUE ELES TRABALHAM, TUDO QUE FEITO A PARTIR DE CAPITALISTAS É VIVER DO TRABALHO DOS OUTROS, RENTISTAS. QUEM PRODUZ VALOR SÃO TRABALAHDORES, APENAS TRABALHADORES. AQUELE QUE VIVE SOB A LOGICA LIBERAL, NADA MAIS FAZ DO QUE AQUILO QUE ACUSAVA O MODO DE PRODUÇÃO FEUDAL, VIVER SEM TRABALHAR COM A RIQUEZA DOS OUTROS.