Quando me perguntam qual é a primeira coisa que uma pessoa precisa saber para começar a investir, a minha resposta é, tipicamente, “conhecer seu perfil de investidor”.
O tal “perfil de investidor” é uma combinação de traços pessoais que envolve aversão a perdas, expectativas, “momento de vida” e outros fatores.
E, neste artigo, vamos entender um pouco mais sobre o perfil do investidor, de uma perspectiva de investidores iniciantes (que estão dando seus primeiros passos nos investimentos) e também da perspectiva de profissionais de orientação financeira (como planejadores financeiros), que precisam ajudar seus clientes a descobrir os próprios perfis.
Por que é importante saber qual é seu perfil de investidor
Em um mundo perfeito, onde as estratégias de investimentos funcionam maravilhosamente bem, não haveria sentido em falar sobre “perfil de investidor”. Isso porque todo investidor tem um único objetivo: “Ganhar dinheiro”.
Em mais de vinte e cinco anos de carreira profissional em finanças, eu ainda não vi um investidor cujo objetivo básico fosse algo diferente disso…
Só que o mundo não é perfeito, as estratégias de investimento falham (e muito!) e, ocasionalmente, investidores perdem dinheiro.
E, na hora da perda, os investidores reagem de forma completamente diferente uns dos outros. Alguns reagem na maior tranquilidade do mundo e encaram a perda como algo passageiro.
Outros ficam transtornados, entram em pânico e chegam a tirar a própria vida (eu não estou brincando e nem exagerando).
E a maioria fica em algum ponto entre esses dois extremos.
Então, podemos dizer que a importância de saber qual é o perfil de investidor é ajudar investidores a respeitarem seus próprios limites, não se expondo a riscos e a níveis de perda intoleráveis, que os levem a sofrer e ter prejuízos potencialmente irrecuperáveis.
Quais são os perfis de investidor
Existem três perfis básicos de investidor, o conservador, o moderado e o agressivo.
Perfil conservador
Como o nome sugere, é aquele que tem, como prioridade, “conservar” o dinheiro. É aquele investidor que prioriza a segurança e a liquidez em suas decisões de investimentos e, frequentemente, abre mão de retornos potencialmente mais altos em favor de mais tranquilidade e previsibilidade.
Perfil moderado
É aquele investidor que fica “no meio do caminho” no espectro de risco. O investidor moderado busca “riscos médios”, tentando combinar um maior potencial de retorno com algum grau de segurança.
Perfil agressivo
É o perfil daquele investidor que prioriza os retornos. O investidor agressivo está disposto a correr riscos maiores e, em alguns casos, a sacrificar a liquidez em favor da possibilidade de ter retornos maiores.
No que diz respeito às regras do sistema financeiro brasileiro, as instituições financeiras que distribuem e emitem instrumentos de investimento precisam classificá-los conforme esses perfis.
É preciso ter, pelo menos, esses três perfis básicos (outros podem ser criados, em pontos específicos do espectro de risco) e os nomes dos perfis também podem apresentar pequena variação conforme a instituição.
Mas esses perfis precisam estar presentes.
Inclusive, se quiser saber mais sobre esse aspecto formal e regulatório dos perfis, leia a Instrução 539 da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e a Diretriz ANBIMA de Suitability.
O conceito de suitability e API
Quando um investidor abre uma conta em uma instituição financeira que distribua investimentos, ele precisa fazer um teste de múltiplas escolhas para determinar seu perfil de investidor.
Esse teste chama-se API (Análise do Perfil de Investidor), mas também é conhecido por “teste de suitability”.
Suitability é uma expressão em Inglês que vem de suitable (“adequado”, em tradução livre). É, então, um teste que procura mensurar a “adequabilidade” do investidor em relação a determinado investimento.
O teste de suitability é obrigatório. Não é um teste padronizado, mas ele é parecido em todas as instituições, com perguntas de múltiplas escolhas (tipicamente ao redor de dez perguntas, com pequena variação para cima ou para baixo) que levam em conta os objetivos do investidor, sua situação financeira e seu grau de conhecimento sobre os investimentos.
De forma geral, quanto menor a necessidade de liquidez, maior a tolerância a perdas e maior o grau de conhecimento, mais o resultado do teste de suitability penderá para o lado agressivo.
O teste de suitability é importante (na verdade, é fundamental) porque as instituições financeiras que distribuem investimentos NÃO TÊM obrigação fiduciária com o investidor. Isso significa que essas instituições financeiras não têm o dever de oferecer, para o investidor, aqueles investimentos que são “melhores”. A obrigação da instituição financeira é oferecer aqueles que sejam “adequados” (daí o suitable) para o perfil de risco de cada investidor… E só.
O que define o perfil de investidor
O teste de suitability (ou API) considera os fatores já mencionados, como os objetivos, situação financeira e grau de conhecimento.
Porém, um investidor, ao tentar determinar seu próprio perfil, não deve se limitar ao teste de suitability da instituição financeira, que é útil, mas é, antes de qualquer coisa, uma obrigação formal da instituição (alguns diriam, de forma jocosa, que é “para Inglês ver”, mas eu não compartilho dessa visão e creio que o teste é uma boa ferramenta de apoio).
Em sua autoanálise (ou seja, fora do teste formal), o investidor precisa considerar, primordialmente, dois fatores: Sua tolerância a perdas e seu “momento de vida”.
Tolerância a perdas
Como dizem por aí, o diabo mora nos detalhes… Então, atenção aos exatos termos que estão sendo usados aqui: “Tolerância a perdas”.
Não é, como dizem alguns, “tolerância ao risco”. Tolerância a riscos “todo mundo tem”. Inclusive, um dos grandes problemas dos perfis de investidor (e que faz com que seja tão difícil determiná-los) é que, de forma geral, as pessoas têm uma tendência a se achar mais tolerantes a riscos do que realmente são.
Só que, quando o risco deixa de ser mero risco e vira “perda real”, é aquele momento em que, como se diz por aí, “se separam os homens dos meninos”.
Uma pessoa pode ter alta tolerância a riscos, mas nenhuma tolerância a perdas… Isso não resolve.
A tolerância a perdas está associada com um conceito conhecido como “capacidade de risco”. Algumas pessoas podem ter grande tolerância a riscos, mas, se sofrerem perdas, podem causar um grande abalo (financeiro e emocional) em suas vidas.
Quanto menor a tolerância a perdas, mais o perfil de investidor tenderá para o lado conservador do espectro.
“Momento de vida”
O tal “momento de vida” (gerentes de banco e planejadores financeiros adoram usar essa expressão) é uma forma bonita de dizer “quando é que você vai precisar do dinheiro”.
É, essencialmente, a sua necessidade de liquidez ao longo do tempo.
Por exemplo, se você estiver à beira da aposentadoria, sua necessidade de liquidez de curto prazo será grande. Se você é uma pessoa jovem, no começo da vida profissional e sem grandes obrigações familiares, sua necessidade de liquidez será, tipicamente, pequena.
Um horizonte de tempo maior significa mais tempo para recuperar eventuais perdas. Por isso, quanto mais “tempo à frente”, mais um investidor pode ser agressivo.
Quanto maior a necessidade de liquidez no curto prazo, mais o perfil de investidor tenderá para o lado conservador do espectro.
O perfil de investidor muda ao longo do tempo?
A resposta para isso é “sim” e “não”.
O perfil pode mudar porque, ao longo do tempo, as circunstâncias de vida da pessoa mudam. Eventos como uma perda de emprego podem fazer com que um investidor agressivo se torne conservador (ainda que temporariamente).
A pessoa também pode passar por outros eventos ou alterar seus objetivos de vida, e isso implica em mudanças no perfil de investidor.
Por outro lado, o perfil do investidor tem uma associação com o perfil psicológico, emocional e de personalidade. Existe um componente mais hardcore no indivíduo que faz com que o perfil de investidor não seja algo tão mutável.
Não é uma regra, mas o perfil de investidor tende a se alinhar com o perfil pessoal. Pessoas conservadoras em outros aspectos da vida tendem a ser investidores igualmente conservadores.
Então, podemos dizer que o perfil sofre mutações ao longo do tempo (e, por isso, deve ser reavaliado periodicamente). Porém, grandes mutações tendem a ser eventos temporários e, de forma geral, o perfil de investidor reflete a personalidade.
Mas, novamente, não é uma regra e algumas pessoas podem sofrer grandes e definitivas alterações de perfil de investidor. E outras têm um perfil de investidor diametralmente oposto ao perfil pessoal.
Conclusão – O grande desafio dos perfis de investidor
O conceito de perfil de investidor é algo simples. É difícil encontrar uma pessoa (mesmo totalmente leiga em finanças) que, ao se deparar com os termos “conservador”, “moderado” e “agressivo”, não consiga, intuitivamente, compreender do que se trata.
Se é tão simples, por que, então, as pessoas (inclusive investidores experientes) têm tanta dificuldade em determinar o próprio perfil e porque as autoridades e instituições financeiras dão tanta importância ao assunto?
A razão para esse tema ser tão polêmico é que é fácil saber quais são os perfis de investidor, mas é difícil saber qual é o SEU perfil de investidor.
Isso acontece porque a maioria das pessoas têm uma visão distorcidas de si próprias. Não entendem sua própria situação financeira (e sua necessidade de liquidez) e tendem a superestimar sua própria a capacidade de “aguentar” cenários adversos nos investimentos.
E isso é facilmente observável nos mercados financeiros. Basta ver a quantidade de pessoas que compra ativos financeiros arriscados nos momentos de euforia e empolgação e, quando o mercado “desaba”, os vendem com grandes perdas, motivadas pelo pânico.
Por isso, a correta definição do perfil de investidor é menos uma questão técnica e mais uma questão de autoconhecimento e de honestidade consigo mesmo.