Durante toda a minha vida como professor de finanças e educador financeiro, eu fui procurado por pessoas que diziam ter problemas financeiros de todas as espécies. Já ouvi gente me reportando todo tipo de dificuldade financeira.
Só… que não!
E este é o momento em que eu tenho que contar um pouco de minha história.
Quando eu comecei no negócio de educação financeira, eu já tinha uma carreira profissional em finanças razoavelmente consolidada. E eu acreditava (ingenuamente) que a minha incursão, no mundo da educação financeira, seria um “passeio”.
Bem… Não foi. E posso dizer, em grande parte, que essa dificuldade está associada ao entendimento do que são, de fato, os tais “problemas financeiros”.
Afinal, os “problemas financeiros” existem?
No mundo das finanças (e atenção ao detalhe – não estou falando de finanças pessoais, mas finanças “no geral”) RARÍSSIMOS problemas financeiros são, verdadeiramente, “financeiros”.
No mundo das finanças pessoais, eu estimo que pelo menos 90% dos problemas financeiros não são, verdadeiramente, “financeiros”. E isso que faz da educação financeira uma coisa tão desafiadora, pois, na maior parte do tempo, se está “tratando do problema errado”.
O que é (de verdade) um problema financeiro
A definição correta de um “problema financeiro” é muito simples: É um problema que se resolve com dinheiro.
Se você tem um problema, você “joga dinheiro” nesse problema e ele desaparece, então, você tinha um problema financeiro.
Se você “coloca dinheiro” em um problema e ele não desaparece, é porque ele NÃO É um problema financeiro. Talvez esse problema tenha uma “consequência financeira”.
Mas consequências são consequências… São sintomas! E o sintoma não é a doença.
Os casos de José e João
Vamos imaginar que temos dois personagens: Um chamado José e outro chamado João.
Os dois estão na mesma situação financeira: Estão devendo dez mil reais.
Isso é o que eles têm em comum, além dos nomes “pouco inspirados”.
Só que eles chegaram nessa situação por caminhos diferentes.
José – o equilibrado
José era um sujeito que estava com a vida equilibrada, não gastava mais do que ganhava e não fazia nenhuma extravagância. Aí, por alguma razão, um infortúnio qualquer se abateu sobre a vida dele.
Pode ter sido um acidente, um problema de saúde… Qualquer coisa que tenha acontecido e que tenha tirado José de seu equilíbrio.
Ele agora deve dez mil reais (e vamos considerar que ele não tinha reserva de emergência e nenhum plano de gestão de riscos, o que mostra que havia falhas em seu planejamento financeiro).
Agora, vamos imaginar que eu sou um cara muito generoso, com dinheiro sobrando e resolvo “dar uma força” para José. Vou dar para ele, de presente (sem querer nada em troca) dez mil reais para ele organizar a vida dele.
O que vai acontecer?
Ele vai pegar aquele dinheiro, vai resolver as pendências dele e vai voltar a viver da forma como ele vivia. De uma forma financeiramente equilibrada (ainda que numa situação de fragilidade por não ter reservas).
Mas aí minha pergunta é: O problema de José era financeiro? Ele tinha, de fato, “problemas financeiros”?
A resposta é um grande SIM, pois eu coloquei dinheiro no problema… E ele sumiu!
João – o porra louca
João era aquele típico sujeito que vivia sem pensar no amanhã. Torrava todo o dinheiro que caia em suas mãos (e mais um pouco). Nunca se preocupou em fazer qualquer tipo de planejamento financeiro e era um otimista incurável, que sempre gastava “por conta” aquele dinheiro que ainda não tinha recebido.
Resultado da brincadeira… dez mil reais de dívida (e poderia ser bem mais!).
Agora, vamos imaginar a mesma situação anterior. Eu sou o cara generoso, que se sensibiliza com a situação de João e resolve dar dez mil reais de presente para ele.
E aí, adivinha o que vai acontecer? João vai resolver sua vida, vai eliminar suas dívidas e vai seguir com sua vida.
Em menos de seis meses, ele estará em uma situação pior do que a que estava anteriormente.
E aí eu pergunto: O problema de João era um problema financeiro?
Bem… Acho que, neste momento, você vai concordar comigo que João NÃO TINHA problemas financeiros. Aquilo que ele ACHAVA que eram problemas financeiros eram nada mais que o sintoma de um estilo de vida completamente inconsequente e descontrolado.
Tanto não era um problema financeiro que eu coloquei “dez paus” e não RESOLVEU NADA… No máximo, aliviou a dor temporariamente.
Ou seja, o dinheiro não foi um remédio, e sim um analgésico…
A dura realidade…
E agora eu te pergunto: De todas as pessoas que você conhece que dizem ter problemas financeiros, quantos são “Josés” e quantos são “Joões”?
Eu, em mais de uma década de finanças pessoais e educação financeira (e quase três décadas de finanças no geral), se vi um ou dois “Josés” na vida, foi muito…
Praticamente todas as pessoas que eu conheço, que têm problemas com dinheiro têm, na verdade, problemas comportamentais, de estilo de vida ou sofrem com vieses cognitivos que às fazem enxergar a própria realidade de forma distorcida.
Os “problemas financeiros” nas empresas
No mundo das empresas, a mesma coisa acontece.
Eu já tive a oportunidade de trabalhar bastante tempo em posições executivas ou como consultor de empresa, e cansei de ver “falsos problemas financeiros”.
Já perdi a conta de quantas vezes presenciei executivos e empresários, donos de empresas em dificuldades, dizendo “se a gente levantar 100 milhões, a gente resolve nossos problemas financeiros”.
Surpreendentemente alguns conseguiam os tais “100 milhões”… Apenas para falirem depois de um ano ou dois.
Ou seja, mesmo no mundo das empresas, são muito raros os problemas financeiros que são, de fato, “financeiros”.
A maioria dos problemas financeiros em uma empresa é apenas reflexo de produtos ruins, gestão ruim, processos ruins ou uma situação econômica ruim (ou tudo isso junto).
Conclusão
Problemas financeiros são problemas que se resolvem com dinheiro.
Se você colocou dinheiro em um problema e ele não foi resolvido (foi apenas “empurrado mais pra frente”), então, NÃO ERA um problema financeiro.
Para muitas pessoas (e empresas) falar em “problemas financeiros” é apenas uma cortina de fumaça para encobrir os verdadeiros problemas. E, no caso de indivíduos, na maior parte das vezes o “problema verdadeiro” está no comportamento e no estilo de vida.
O que as pessoas dizer ser problemas financeiros são, na verdade, aquilo que elas “percebem” como problema financeiro. Assim como percebem uma dor de barriga, que pode ser apenas a “parte visível” de um problema de saúde mais profundo e mais grave.
Comentários
Realmente, aquilo que está visível é fruto do que está oculto. Quase sempre é assim! Parabéns pela didática do seu texto e muito obrigado pelo trabalho.
Excelente ilustração de “problemas financeiros”. Como de costume lógica implacável. Obrigada André pela sua cruzada!