Em um artigo anterior, eu contei a história dos “turtle traders” (“traders tartaruga”, em tradução direta), que foi um “experimento social” muito interessante que aconteceu nos anos 80. E, neste artigo, veremos das regras dos turtle traders, da forma como eram usadas em suas operações no mercado financeiro.
Se você não conhece a história dos turtle traders, é altamente recomendável que você leia o artigo (clicando no link) antes de prosseguir neste aqui.
Mas, para fazer um rápido resumo, o objetivo do experimento dos turtle traders era descobrir se um trader de sucesso era alguém que já “nascia pronto” (ou seja, era uma pessoa com um talento natural, inato) ou se uma pessoa comum, sem traços de talento natural, poderia ser treinada para ter sucesso no trading.
O resultado do experimento, como já é sabido, é que se constatou que pessoas comuns, seguindo disciplinadamente um conjunto de regras, conseguiam ter sucesso expressivo e consistente em suas operações financeiras.
E, neste artigo, vamos conhecer as exatas regras do sistema que era usado pelos turtle traders.
As regras dos turtle traders
Descrição geral do sistema
O sistema (trading system) utilizado pelos turtle traders é baseado no conceito de trend following (seguir tendências) e no rompimento de níveis de preços (breakout).
Ele era composto de dois subsistemas, chamados de “S1” e “S2”.
O S1 era o sistema “geral”, usado para fazer a maior parte das entradas.
Já o S2 era usado caso o S1 perdesse alguma “grande tendência” em formação. Ele permitia, então, uma “reentrada” naquele ativo financeiro.
Os dois sistemas são, essencialmente, idênticos. O que muda são as parametrizações (como veremos adiante).
O sistema assumia que seriam transacionados vários ativos financeiros não-correlacionados simultaneamente, de forma a diluir o risco.
Outra característica do sistema era a bidirecionalidade. Ele poderia funcionar tanto comprado (para cima) quanto vendido (para baixo).
Ativos e mercados
Os turtle traders atuavam, basicamente, em mercados futuros.
Operavam contratos diversos de commodities, moedas e índices financeiros.
As razões para a escolha dos mercados futuros foi a possibilidade de usar alavancagem, a facilidade de se operar em ambas as direções (bidirecionalidade) e (mais importante) a baixa correlação entre os contratos.
O modelo dos turtle traders (e o trend following, de forma geral) tende a não funcionar tão bem com ações, pela grande correlação existente entre elas.
Os turtle traders também usavam critérios de liquidez na escolha dos contratos futuros, de forma a selecionar apenas os mais líquidos.
As ferramentas e indicadores
Os turtle traders usavam as seguintes ferramentas e indicadores:
- Gráfico diário dos ativos selecionados.
- Canais de Donchian (indicador que mostra o rompimento de preços de períodos anteriores), de 10, 20 e 55 dias.
- ATR (Average True Range – Um indicador de volatilidade) de 20 dias.
Regras de entrada
O S1 usava, como sinal de entrada, o Canal de Donchian de 20 dias (que representava o preço máximo ou mínimo daquele ativo nos 20 dias anteriores).
Um FECHAMENTO da barra de preços acima ou abaixo do Canal de Donchian de 20 dias era o gatilho para uma entrada naquele ativo.
Se o preço fechasse ACIMA do Canal de Donchian superior, se entrava comprado no dia seguinte. Se fechasse ABAIXO do canal INFERIOR, se entrava vendido.
O S2 funcionava do mesmo jeito, só que usava o Canal de Donchian de 55 períodos, caso uma entrada do S1 tivesse sido “perdida” naquele ativo.
Caso você não seja familiarizado com os Canais de Donchian, veja a imagem abaixo:
Trata-se de um gráfico diário das ações da Exxon Mobil (extraído do portal Yahoo! Finance) com os Canais de Donchian de 20 períodos (dias, no caso), superiores e inferiores.
As setas mostram os “pontos de rompimento” que, pelo método dos turtle traders, justificariam uma compra no dia seguinte.
Regras de entrada
Tanto o S1 quanto o S2 usavam os Canais de Donchian de 10 e de 20 dias (respectivamente) como “stop loss móvel”.
O critério é análogo ao da entrada: Um fechamento ACIMA ou ABAIXO desses níveis define a saída, na abertura do dia seguinte.
Observe que, como todo bom sistema de trend following, o sistema dos turtle traders não define um “alvo” para fazer a saída.
A saída só acontece quando aquela tendência é “desfeita”. Os turtle traders usavam esses Canais de Donchian de período mais curto para indicar que aquela tendência havia sido descaracterizada.
Gerenciamento de riscos e position sizing
Uma das ferramentas de gerenciamento de riscos era o próprio stop loss móvel (trailing stop) provido pelos Canais de Donchian de 10 e 20 períodos (S1 e S2).
Porém, havia uma outra (e importantíssima) ferramenta de limitação de riscos, que era o position sizing.
Os turtle traders usavam um stop loss inicial correspondente a DUAS VEZES o ATR20 (Average True Range de 20 períodos).
Por meio desse stop inicial (calculando-se a diferença entre o preço da entrada e o preço do stop), se definia o número de contratos “permitidos”, de forma que a perda máxima de cada operação não fosse superior a 2% do capital total que aquele trader estivesse operando.
Então, o risco máximo de cada operação individual (lembrando que ocorriam várias operações simultaneamente) era de 2% do valor da conta.
Por conta do ATR, o tamanho do “lote” de contratos varia com a volatilidade. Em mercados mais voláteis, as operações ficam menores e, nos menos voláteis, maiores.
Regra de “Piramidação”
No mundo do trading, “piramidação” é o nome que se dá quando se vai aumentando, gradualmente, o tamanho da posição de uma operação à medida em que ela evolui favoravelmente.
As regras dos turtle traders permitiam que se “piramidasse” até CINCO vezes o tamanho original da operação.
Ou seja, se aquela tendência se revelasse realmente “firme”, o trader poderia ir aumentando, gradualmente, a sua posição.
A regra para piramidação é que o trader poderia acrescentar à operação um lote adicional de contratos, cada vez que os preços evoluíssem o equivalente ao valor do ATR20 (a favor da operação). E esse processo poderia ser repetido até cinco vezes.
Conclusão
Como foi comentado no artigo anterior sobre os turtle traders (onde contei a história deles), o sistema original (do jeito que foi exposto neste artigo) acabou perdendo efetividade depois que foi revelado ao público (por isso, não se deve JAMAIS revelar um sistema vencedor – se você desenvolver um, leve-o para o túmulo).
Porém, o sistema original dos turtle traders funciona como uma base interessante para se fazer customizações e adaptações.
Uma boa parte dos sistemas de trend following utilizados atualmente são, essencialmente, variações do sistema original dos turtle traders, com indicadores e parametrizações diferentes.
E muitos desses novos sistemas mantem a sua efetividade (e tenderão a manter no futuro, se seus criadores ficarem de bico fechado).