15/06/2020 • • por Andre Massaro

O “risco de longevidade” (sua aposentadoria corre perigo)


Eu imagino que alguém vê um artigo falando sobre “risco de longevidade” e pensa algo como “deve ser mais um daqueles artigos explicando algum termo obscuro usado em finanças”.

Pois é… Eu receio que essa percepção pode estar bastante enganada. Por isso, quero começar este artigo com uma pergunta: Você pretende se aposentar?

Se você respondeu “sim”, saiba que o risco de longevidade será uma das grandes encrencas de sua vida. Talvez, a MAIOR DE TODAS.

Consegui chamar sua atenção agora? Bom… é melhor ler até o fim.

Vamos começar falando, então, de longevidade e expectativa de vida, pois isso vai dar o contexto da “coisa toda”.

A evolução da expectativa de vida

Veja que belo gráfico este abaixo. Ele vem do site “Our World in Data” (Nosso Mundo em Dados), mantido pela Universidade de Oxford.

Ele mostra, entre outras coisas, a evolução da expectativa de vida mundial. Mas vou te ajudar com alguns pontos-chave, para que você não precise “pescá-los” no gráfico.

Expectativa de vida média mundial:

  • 1800 – 28,5 anos
  • 1900 – 32,0 anos
  • 2000 – 66,3 anos
  • 2014 – 71,4 anos

O gráfico deixa bastante claro que a expectativa de vida da Humanidade está aumentando de forma EXPONENCIAL. Isso significa que se você for, neste momento, uma pessoa de 60 anos, razoavelmente saudável, e se essa progressão se mantiver, você, provavelmente, não chegou nem na metade de sua vida!

Animador? Calma… Não vamos tirar conclusões tão rápido.

Existe um limite para a longevidade?

Esse aumento exponencial da expectativa de vida pode ser creditado a muitas coisas, entre elas a evolução nas tecnologias médica, nutricional e sanitária.

Existe um certo ‘consenso não escrito”, entre cientistas e pesquisadores da área de saúde, de que a longevidade humana tem um limite natural, estimado em algo ao redor de 120 anos.

Ou seja, por essa tese, “dali não passa”. Então, esse aumento da expectativa de vida seria muito mais um efeito de “diminuição da dispersão’ (com mais pessoas vivendo saudavelmente – o que puxaria a média para cima) do que por um aumento “de fato” na longevidade.

Só que essa tese começou, recentemente, a ser desafiada de forma mais contundente pela própria Ciência. Hoje, muitos cientistas começam a se questionar se esse limite existe e, se não existir, essa curva poderá crescer ad infinitum (sim, é isso mesmo que você entendeu: estamos falando de, em algum momento, a expectativa de vida ser potencialmente ilimitada).

Como referência, fica este interessante artigo da revista Scientific American (em Inglês): There’s No Limit to Longevity, Says Study Reviving Human Life Span Debate.

Enfim, a verdade é que não sabemos se há, de fato, um limite para a longevidade humana. Mas, se NÃO houver, a questão do risco de longevidade, que já é complicada por si só, fica infinitamente mais complicada…

Enfim, o que é o risco de longevidade

Bem, agora que eu já dei todo esse (importante) contexto, é hora de falar o que é, enfim, esse tal risco de longevidade.

O risco de longevidade é, tentando colocar em poucas palavras, o risco de você viver mais do que os seus recursos permitem. Ou seja, é o risco de você se aposentar, achar que vai viver “X” tempo, só que vive muito mais que isso. Aí fica velho, pobre, falido e na miséria… e ainda com muitos anos de vida pela frente. Que tal?

O risco de longevidade pela ótica das entidades de previdência

O conceito de risco de longevidade vem do mundo das ciências atuariais e da previdência.
O moderno sistema de pensões e aposentadorias foi criado no final do Século XIX (vai lá e olha de novo, no gráfico, qual era a expectativa de vida em 1900…). Inclusive, a prática de as pessoas se aposentarem ao redor dos 60 anos vem DAQUELA época.

Os programas previdenciários (tanto públicos quanto privados), quando foram concebidos, não contavam com esse aumento exponencial da expectativa de vida. E, por causa disso, os atuários perceberam, em algum momento, que o esquema era insustentável e que a conta “não fecha”.

Por isso, fundos de pensão privados e mesmo os programas públicos de previdência têm uma grande preocupação com isso, pois há o risco REAL de que eles tenham que desembolsar, como benefícios para os aposentados, uma quantia de dinheiro muito maior do que eles conseguem captar e capitalizar ao longo dos anos.

Essa é uma das razões, inclusive, pela qual, praticamente, não existem mais programas de previdência privada (tanto abertos quanto fechados) de “benefício definido” (aqueles em que você contribui com uma quantia ao longo da vida e, no final, vai receber seu benefício de forma constante e vitalícia).

Hoje, a regra são os programas de “contribuição definida” (referidos, no jargão, pelas iniciais “CD”), em que o beneficiário forma um patrimônio e, ao se aposentar, terá acesso àquele patrimônio, apenas. É um valor finito e, se acabar, acabou. A pessoa tem que torcer para morrer antes de o dinheiro acabar…

A previdência pública, na maior parte dos países do mundo, segue o modelo de benefício definido (chamado de “BD”, no jargão da área). Mas esse modelo está sendo questionado em vários países, exatamente por causa do risco de longevidade.

Então, do ponto de vista da entidade previdenciária, o “risco” da longevidade é o risco de se comprometer com um fluxo de caixa que pode durar muito mais que o previsto, comprometendo (ou mesmo inviabilizando) o equilíbrio econômico do sistema.

O risco de longevidade pela ótica dos aposentados

Quanto uma entidade previdenciária muda seu programa de “benefício definido” (BD) para “contribuição definida” (CD), ela deixa de sofrer (ou sofre menos) com o risco de longevidade.

Só que o risco de longevidade não “desaparece”. Ele é apenas transferido da entidade para o beneficiário (o aposentado).

Passa a ser, então, responsabilidade do beneficiário acumular, ao longo de sua vida profissional ativa, o patrimônio necessário para viver após a aposentadoria.

A entidade previdenciária vai fazer a gestão desse patrimônio, pode contribuir com uma parte do dinheiro (prática comum nos fundos de pensão – que são entidades fechadas) e tem a questão (relevante) dos benefícios fiscais. Com esse “pacote de vantagens”, fica mais fácil formar um patrimônio. Mas, ainda assim, é um patrimônio finito e existe o risco de a pessoa viver MAIS do que o patrimônio permite.

Então, para estimar qual o patrimônio adequado, o beneficiário tem que tentar “adivinhar o dia da própria morte”. É uma coisa meio mórbida, mas, infelizmente, não há muito o que fazer.

E, pior que isso: Como alguém consegue estimar a data da própria morte em um cenário em que a expectativa de vida aumenta de forma EXPONENCIAL? Se fosse linear, vá lá… Eu poderia dizer “meus pais viveram até os 75, então, devo ir até uns 85…”.

Só que as coisas não são assim num mundo em que praticamente TUDO (não só a expectativa de vida) deixa de ser linear e passa a ser exponencial.

Como gerenciar o risco de longevidade?

Aqui vem a má notícia: Não tem jeito.

Do ponto de vista de um indivíduo, a única forma de “resolver” o risco de longevidade é… morrendo! Ou, então, nunca se aposentando.

Se você perguntar para um atuário ou gestor de fundo previdenciário, ele vai te dizer que o risco de longevidade tem solução. A solução é transferir esse risco para alguém – o próprio beneficiário ou uma outra entidade (uma resseguradora, por exemplo).
Para a entidade previdenciária, isso resolve o problema. Mas veja que ele não foi resolvido – apenas mudou de lugar. A “bucha” foi empurrada para outra pessoa que, eventualmente, pode ser VOCÊ (e, na maioria das vezes, é).

Do ponto de vista do indivíduo, que pode acabar sendo obrigado a assumir o risco da própria longevidade, a única coisa factível é tentar postergar a aposentadoria (e seguir trabalhando pelo máximo de tempo possível), tentar formar um patrimônio maior e torcer para que a evolução da expectativa de vida desacelere.

Ou, então, quando o dinheiro estiver acabando, vai para uma ponte bem alta saltar de bungee jump – sem elástico.

É por essas e outras que, hoje, quem participa de um programa previdenciário de benefício definido (seja público ou privado), precisa tratar aquilo como se fosse um verdadeiro tesouro.

Conclusão

A conclusão é que… não tem conclusão nenhuma! Como vimos no artigo, o risco de longevidade é, ao menos no presente momento, um problema insolúvel.

Talvez, um dia, com o avanço da tecnologia, as pessoas vão viver por tempo indeterminado e o conceito de “aposentadoria” vai deixar de existir. Mas, enquanto esse dia não chega, o risco de longevidade segue sendo um grande problema, tanto para Estados, para entidades de previdência e para indivíduos.

A única coisa que a gente sabe é que, mantidas as condições atuais de aposentadoria e a taxa de evolução da expectativa de vida, as contas não vão fechar.

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