O Brasil, durante muito tempo, teve uma “cultura de investimentos” tão disfuncional que apenas há poucos anos o risco do reinvestimento (que é um importantíssimo risco que afeta os investimentos em renda fixa) começou a ser mencionado.
O risco de reinvestimento é o risco de que o investidor não vai conseguir reinvestir o dinheiro que estava investido (daí o nome), em condições similares, em um “evento de liquidez”.
Tentando explicar de uma forma bem simplificada, imagine que você estava com seu dinheiro investido a 10% ao ano, mas seu título venceu, você está com o dinheiro “na mão”, mas só tem novos títulos pagando 5% ao ano… E agora?
Bem, já vimos o “basicão”. Agora vamos fazer as devidas definições e organizar as coisas.
O que é um “evento de liquidez” na renda fixa?
Um evento de liquidez é um evento que tem, como resultado, “dinheiro líquido” na conta.
No caso dos investimentos de renda fixa, existem quatro eventos de liquidez:
- Vencimento – Quando o título chega ao fim de sua vida e deixa de existir (é a “morte” efetiva do título). O dinheiro retorna para o investidor;
- Resgate antecipado – Quando o título tem sua vida abreviada (ou seja, ele é “assassinado” antes do investimento), por iniciativa do investidor ou do emissor do título (conforme o caso). Assim como no caso do vencimento (a “morte natural”), neste caso, o título deixa de existir e o dinheiro retorna para o investidor;
- Venda ou negociação – Quando o título é vendido para outro investidor. O título continua existindo, só que com outro “dono”. O investidor original deixa de ter o título e recebe o valor em dinheiro pelo qual negociou;
- Pagamento de cupom – Quando o título, por conta de suas características e condições contratuais, paga os juros periodicamente. Assim, em determinado intervalo de tempo “pinga” um dinheiro (os juros) na conta do investidor.
Basicamente são esses os casos em que um título de renda fixa “gera dinheiro”. Exceções podem facilmente ser enquadradas a essas categorias. Por exemplo, em um título com amortizações parciais (algo não tão comum no mundo dos investimentos), essas amortizações poderiam ser consideradas “vencimentos”.
Mas isso são apenas formalidades (ainda que as formalidades sejam importantes para o correto entendimento da “dinâmica” dos investimentos). O fato é que, um belo dia, o investidor “acorda” com dinheiro sobrando na conta… E precisa tomar uma decisão!
O risco de reinvestimento e a realidade brasileira
No momento em que eu escrevo estas palavras, as taxas de juros estão num patamar incrivelmente baixo para a realidade histórica brasileira.
No Brasil, até por conta de nosso histórico inflacionário, temos há décadas taxas de juros muito altas, o que criou um mercado de renda fixa extremamente “generoso”, com retornos que, praticamente, não se encontrava em nenhum lugar do mundo.
Essa realidade anômala durou tanto tempo que as pessoas simplesmente se habituaram a ela. Aí, aconteceu aquilo que, em Inglês, eles chamam de “take something for granted”. As pessoas passaram a acreditar que aquela situação singular “sempre foi daquele jeito” e “sempre seria assim”.
E, mesmo olhando para as taxas de juros das economias desenvolvidas (muito mais baixas), as pessoas respondiam com negação e com postura defensiva cada vez que se aventava a possibilidade das taxas brasileiras caírem. “Ahhh… isso nunca vai acontecer!”. Pois é, aconteceu…
E muitas pessoas estão tendo os efeitos do risco de reinvestimento “esfregados na cara”. Pessoas que fizeram seus planos de longo prazo (como aposentadoria, por exemplo), na crença e na presunção de que ganhariam “um por cento ao mês” na moleza, até o fim da vida…
O risco de reinvestimento no Brasil
É importante lembrar que o Brasil é (esperamos que deixe de ser… e logo!) um “pais de renda fixa”. Por conta disso (não deve ser nenhuma surpresa) a maioria dos fundos de investimento e previdenciários investe, majoritariamente, em renda fixa.
À medida que esses títulos vão vencendo ou sendo vendidos, eles vão sendo substituídos por títulos com taxas menores (pois é “o que tem”), e os investidores já começam a perceber que o dinheiro não “cresce” mais do mesmo jeito.
No caso daqueles que investem em títulos individuais (e não em fundos) é a mesma coisa. Os títulos vão vencendo, o dinheiro precisa ser reinvestido e as boas opções vão ficando cada vez mais escassas…
Por conta disso, muitos investidores que fizeram planos como “viver de rendas” ou se aposentar rapidamente (e com muito conforto) estão tendo que rever seus planos. Gente que há décadas “comprou uma ideia” de viver de rendimentos da renda fixa está sendo forçada a migrar para a renda variável (às vezes para ganhar menos do que ganhavam, e com mais risco…), se conformar com a nova realidade ou, em alguns casos, até mesmo tendo que voltar a trabalhar (ou adiando o plano da aposentadoria).
O risco de reinvestimento em outros países
Em outras economias (especialmente nos EUA, que é a “referência” em assuntos de investimentos) o risco de reinvestimento também tem efeitos que deixam os investidores de “cabelo em pé”.
O primeiro ponto é que lá, a predominância é de títulos que pagam cupons semestrais. Então, o investidor fica com a tarefa de ter que buscar boas oportunidades (ou, às vezes, não tão boas assim) para reinvestir o dinheiro que vem na forma de juros.
O segundo ponto, que afeta, em particular, os títulos privados de empresas (os corporate bonds, equivalentes às nossas debêntures e que são bastante populares por lá) é que uma parcela significativa desses títulos pode ser resgatada antecipadamente pelo emissor.
Os títulos que permitem resgate antecipado são chamados de callable, e eles oferecem uma taxa ligeiramente superior a um título equivalente non-callable.
As empresas adoram emitir títulos callable (e até pagam um “extra” por isso). Isso porque, quando ocorre alguma flutuação (ainda que pequena) nas taxas de juros para baixo, a empresa tem a oportunidade de liquidar aqueles títulos “na hora” (devolvendo o dinheiro ao investidor) e, imediatamente, emitem novos títulos com uma taxa de juros mais baixa. Ou seja, as empresas vão “rolando” a dívida conforme as taxas se movimentam.
Esse “fenômeno” é comum e, com frequência, um investidor americano acorda com dinheiro parado na conta… E é uma situação que gera grande angústia e incerteza, pois o investidor faz planos com aquele dinheiro (imagine um aposentado que viver de rendas do seu patrimônio) e, “do nada”, aquele plano vai por água abaixo…
Como (tentar) evitar o risco de reinvestimento
Bem, infelizmente, não temos muito o que fazer, pois o risco de reinvestimento está associado a coisas totalmente fora de nosso controle. O arsenal de ferramentas do investidor é bastante limitado mas, a seguir, vou listar algumas sugestões de medidas (adequadas e realistas para pequenos investidores) que podem ser adotadas para minimizar os efeitos do risco do reinvestimento (e sempre lembrando daquela velha metáfora do “cobertor curto” – quando a gente se “cobre” de um risco, acabamos ficando descobertos para outros):
Dar preferência a títulos sem cupom
Os títulos que pagam juros apenas no vencimento (conhecidos como bullet) asseguram que a taxa será constante durante todo o período de existência do título. Neste caso, o investidor não correrá o risco de ter que reinvestir os juros recebidos em condições piores que o investimento original.
E no Brasil, por conta da regressividade do Imposto de Renda, os títulos sem cupom de prazo mais longo têm uma vantagem fiscal, pois os juros são todos tributados pela alíquota mais baixa.
Dar preferência a títulos de longo prazo
Aqui, não tem muito segredo. Nos títulos prefixados e híbridos (vinculados à inflação), quanto mais longo o título, mais tempo você ficará com aquela taxa “travada”…
Porém, aqui entra a lógica do cobertor curto. A proteção contra o risco de reinvestimento implica em uma maior exposição ao risco de mercado (o risco de oscilação dos preços no título por conta de movimentações nas taxas de juros). Títulos de longo prazo podem apresentar oscilações negativas expressivas caso as taxas de juros subam, ao invés de cair.
Dar preferência a títulos individuais ao invés de fundos
Fundos de investimento são extremamente convenientes. Porém, eles fazem (na verdade precisam fazer) movimentações frequentes em suas carteiras, até mesmo pelo fluxo de investidores que fazem aportes e resgates de cotas. Por conta disso, as carteiras dos fundos tendem a se adaptar às taxas que são praticadas no mercado naquele momento.
Diferentemente de um investidor individual, às vezes um fundo não pode se dar ao luxo de investir em títulos de longo prazo e simplesmente “sentar em cima”, levando até o vencimento.
Conclusão
O risco de reinvestimento é um risco de efeitos bastante impactantes (especialmente para quem investe com horizonte de longo prazo). As ferramentas para gerenciar esse risco são limitadas e risco do reinvestimento foi, por muito tempo, negligenciado pelos investidores brasileiros (compreensivelmente).
Porém, ele agora faz parte da vida do investidor e deve ser considerado em qualquer estratégia de investimentos.
Se você está começando nos investimentos e quer aprender “de verdade”, conheça o meu curso “BluePrint – Formação de Investidores”.
Nele, você vai aprender como funciona o mercado financeiro, quais os principais investimentos e como investir com confiança em segurança.
Clique abaixo!